No dia de hoje, em 1822
Agora, dois dias depois do inesquecível “Eu fico”, estão ali no teatro, onde, segundo o costume, todos os acontecimentos importantes são celebrados. Fora difícil à carruagem atravessar o Largo do Rocio, tamanha a multidão a ovacioná-los. Leopoldina, no sétimo mês de gravidez, na falta de dinheiro para um vestido novo à altura da ocasião, mandara alargar um de seus trajes de gala vienenses. Que importa que esteja um pouquinho fora de moda e que o veludo a faça suar? Importante é que resplende de fios de ouro, como merece a data.
Não há um único lugar vago nos camarotes e na plateia. O corpo diplomático, em peso, e oficiais britânicos da fragata Doris, ancorada no porto, misturam-se a mulheres faiscantes de joias e senhores em uniformes de corte. Não. Há um camarote desocupado, o do General Avilez. Inquietos com a ausência, alguns oficiais da guarda do príncipe saem à procura do general.
A atmosfera vai se tornando tensa à medida que se retiram os poucos oficiais portugueses, e entra pelas janelas o ruído de tropas em marcha e de vidraças sendo quebradas. Um oficial brasileiro sobe esbaforido ao camarote de Suas Altezas. A plateia acompanha atenta os gestos exaltados de Pedro enquanto dialoga com o militar, que sai novamente às pressas. O príncipe fala ao ouvido da princesa, que esboça um gesto de surpresa.
Os boatos circulam: as tropas de Avilez se amotinaram, controlam agora todos os pontos estratégicos da cidade, estão pilhando casas, o príncipe será feito prisioneiro e levado à força para Portugal. Aqui e ali começam a se levantar espectadores em busca da saída, o pânico parece inevitável. O Regente volta a cochichar ao ouvido da mulher. Depois vai à frente do camarote real e faz um gesto ao maestro para que interrompa a música.
– As Cortes não aceitam minha permanência entre vós, mas nada me fará esquecer o juramento que vos fiz há dois dias. Com a ajuda dos patriotas que queiram juntar-se a mim, garantirei a segurança da cidade. Voltai a vossos lugares. Vede, minha esposa não se retira, segui seu exemplo.
Leopoldina, dominando o tremor das pernas, num gesto inspirado, chega à borda do camarote:
– Brasileiros, não devemos temer ameaças. A ópera não chegou ao fim, vamos ouvi-la com atenção. Depois nos retiremos em ordem para nossas casas. Meu marido cuidará de defender-nos.
Os vivas explodem, Leopoldina mal pode crer no que ouve. É a ela, a estrangeira, que aplaudem.
Leopoldina e Pedro I - a vida privada na corte, pag. 130, de Sonia Sant'Anna, em reedição pela Ibis Libris Editora.
Após o Fico, as tropas portuguesas ameaçam levar D. Pedro de volta para Portugal. Há desordens na cidade do Rio de Janeiro, as tropas portuguesas ocupam o morro do Castelo
ilustração: Real Teatro de São João, no Rio de Janeiro, onde hoje se encontra o teatro João Caetano.
— em ibis Libris Editora.Agora, dois dias depois do inesquecível “Eu fico”, estão ali no teatro, onde, segundo o costume, todos os acontecimentos importantes são celebrados. Fora difícil à carruagem atravessar o Largo do Rocio, tamanha a multidão a ovacioná-los. Leopoldina, no sétimo mês de gravidez, na falta de dinheiro para um vestido novo à altura da ocasião, mandara alargar um de seus trajes de gala vienenses. Que importa que esteja um pouquinho fora de moda e que o veludo a faça suar? Importante é que resplende de fios de ouro, como merece a data.
Não há um único lugar vago nos camarotes e na plateia. O corpo diplomático, em peso, e oficiais britânicos da fragata Doris, ancorada no porto, misturam-se a mulheres faiscantes de joias e senhores em uniformes de corte. Não. Há um camarote desocupado, o do General Avilez. Inquietos com a ausência, alguns oficiais da guarda do príncipe saem à procura do general.
A atmosfera vai se tornando tensa à medida que se retiram os poucos oficiais portugueses, e entra pelas janelas o ruído de tropas em marcha e de vidraças sendo quebradas. Um oficial brasileiro sobe esbaforido ao camarote de Suas Altezas. A plateia acompanha atenta os gestos exaltados de Pedro enquanto dialoga com o militar, que sai novamente às pressas. O príncipe fala ao ouvido da princesa, que esboça um gesto de surpresa.
Os boatos circulam: as tropas de Avilez se amotinaram, controlam agora todos os pontos estratégicos da cidade, estão pilhando casas, o príncipe será feito prisioneiro e levado à força para Portugal. Aqui e ali começam a se levantar espectadores em busca da saída, o pânico parece inevitável. O Regente volta a cochichar ao ouvido da mulher. Depois vai à frente do camarote real e faz um gesto ao maestro para que interrompa a música.
– As Cortes não aceitam minha permanência entre vós, mas nada me fará esquecer o juramento que vos fiz há dois dias. Com a ajuda dos patriotas que queiram juntar-se a mim, garantirei a segurança da cidade. Voltai a vossos lugares. Vede, minha esposa não se retira, segui seu exemplo.
Leopoldina, dominando o tremor das pernas, num gesto inspirado, chega à borda do camarote:
– Brasileiros, não devemos temer ameaças. A ópera não chegou ao fim, vamos ouvi-la com atenção. Depois nos retiremos em ordem para nossas casas. Meu marido cuidará de defender-nos.
Os vivas explodem, Leopoldina mal pode crer no que ouve. É a ela, a estrangeira, que aplaudem.
Leopoldina e Pedro I - a vida privada na corte, pag. 130, de Sonia Sant'Anna, em reedição pela Ibis Libris Editora.
Após o Fico, as tropas portuguesas ameaçam levar D. Pedro de volta para Portugal. Há desordens na cidade do Rio de Janeiro, as tropas portuguesas ocupam o morro do Castelo
ilustração: Real Teatro de São João, no Rio de Janeiro, onde hoje se encontra o teatro João Caetano.
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