Dizer obrigado em amárico, língua oficial da Etiópia, nos foi
praticamente impossível. Pretendíamos aproveitar a Semana Santa ortodoxa para
conhecer as igrejas de Lalibela no auge do calendário religioso e documentar
tudo o que fosse possível durante os rituais nos onze templos monolíticos do
século XII.
Encontramos um povo lindo e sorridente, naturalmente
elegante, mesmo na carência, profundamente religioso e com uma forte identidade
cultural.
A estadia em Adis Abeba nos desnorteou pela total falta de
planejamento urbano. Ausência de centro, alternância de imóveis recém
construídos - alguns parecendo abandonados - no meio de terrenos baldios e
casebres deprimentes. Sabíamos da grande miséria, embora fome e guerras não
estejam mais no noticiário internacional. Chineses, por exemplo, abrem fábricas
de calçados pagando U$30,00 de salário por mês. Sobrevoamos a aridez das terras
altas entrecortadas de magros riachos. Ao sol da manhã, milhares de telhados de
zinco brilhavam como diamantes. Os diamantes da pobreza.
Em Lalibela descobrimos a praticidade dos tuc-tucs, curiosos
veículos motorizados sobre três rodas, fartamente enfeitados. Conseguem
transportar até quatro passageiros... que não sejam tamanho “GG”. Nos levavam
do hotel até o surpreendente sitio tombado pela Unesco e no fim da tarde, sem
mais energia nem para descer a pé a longa estrada até o hotel. Meus quase 83
anos foram constantemente desafiados durante estas duas semanas tal o número de
ladeiras íngremes, escadarias tão irregulares quanto estreitas, corredores
sombrios e caminhos escorregadios que exigiam de nós concentração e esforço
físico a cada passo, desde cedo de manhã até o cair da noite, quando, então
vencido, desmaiava na minha cama.
Muito nos marcou a religiosidade do povo. Em Lalibela as onze
igrejas foram concebidas por um imperador para ser uma nova Jerusalém. Recebem
milhares de peregrinos, a esmagadora maioria ostentando nas mãos, ou
respeitosamente guardada em estojo de couro, uma bíblia manuscrita. Em sinal de
pureza, homens e mulheres envoltos em amplos panos de algodão branco contrastam
com as terras secas. A noite do sábado de glória foi um mergulho na mais total
espiritualidade medieval. Se o tempo nos faltou para conhecer a capital do
império de Axum e Harar, onde Arthur Rimbaud tem seu memorial, pudemos
percorrer sem pressa as várias edificações que compõem o severo castelo de
Gondar
Destas duas semanas, André Jolly, Cláudio Marques e eu
voltamos com mais de duas mil fotografias. Após árdua garimpagem, a curadora
Camila Alemany escolheu trinta que em breve estarão expostas na sala de
Fotografias da Casa-Museu do Solar Santo Antônio, centro histórico de Salvador.
Dimitri Ganzelevitch
Jornal A Tarde 10/08/19
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