sexta-feira, 26 de maio de 2017

MORT ET VIE SÉVERINE

Morte e Vida Severina é traduzida e encenada pela 1ª vez em francês




Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, será encenada nesta sexta-feira (26) no Teatro da Bastilha, em Paris, pela jovem companhia de teatro Amaü, criada por dois brasileiros e uma argentina. Apesar de ser um dos poemas mais importantes da literatura brasileira, a obra-prima do poeta pernambucano sobre a vida do retirante nordestino Severino, nunca tinha sido traduzida para o francês.
 





Antes de subir no palco nesta sexta-feira, a trupe de jovens atores, formada quase exclusivamente por estrangeiros, recebeu a reportagem da RFI para um bate-papo. A companhia de teatro Amaü foi criada em 2015 por jovens estudantes universitários que se encontraram na Escola Normal Superior de Lyon, sul da França: os brasileiros Mariana Camargo e Thiago Pedroso, e a argentina Magdalena Bournot. Depois de duas peças, eles buscavam um texto que pudesse abordar a crise migratória atual e Mariana se lembrou de Morte e Vida Severina.
“O poema do João Cabral é um texto sobre uma migração nossa, brasileira, do Nordeste dos anos 1950, 1960. Mas ele é mais do que isso, ele é um texto que fala sobre a esperança de encontrar uma vida melhor em outro lugar, (…) sobre as dificuldades que encontrarmos nos caminhos que traçamos. Apesar de ele ser cheio de regionalismo, que é o que traz a beleza dele, achamos que ele tem uma carga universal”, conta Mariana.
Magdalena, que assina a direção da peça, não conhecia o texto, adorou a proposta e os desafios começaram. As jovens descobriram que Morte e Vida Severina, encenada apenas uma vez na França, em 1966, mas em português, nunca tinha sido traduzida para o francês. Passado o espanto, decidiram traduzir elas mesmas o poema dramático. Um trabalho difícil, que durou quase um ano, devido “às rimas e às palavras que nem nós lusófonos conhecemos".
Título em francês no plural
Primeira decisão polêmica, o título. Em francês, Severina passou para o plural (“Mort et vie Séverines”). “O mais importante era conservar essa noção do nome que passa a ser uma condição de privação, que passa a ser um adjetivo. A gente colocou o “s” para os franceses entenderem logo que que Severina é a morte e a vida”, e não apenas um simples nome, explica Magdalena.
Mas, apesar da tradução, a peça apresentada no Teatro da Bastilha é bilíngue. Apenas atores brasileiros atuam e falam tanto em português, com legendas, quanto em francês, com sotaque. “A primeira vontade era que a língua viesse como um elemento da peça. Muitas vezes o imigrante sai de sua terra com uma língua, cruza muitas outras e chega numa língua completamente diferente. Então nossa vontade era fazer do francês essa língua que chega no final, que talvez seja a língua desse país estrangeiro que se chega.”
Diálogo com a migração atual
A travessia do retirante Severino, do sertão de Pernambuco até o Recife, também era uma possibilidade para a cia Amaü de conjugar suas duas orientações: teatro e cinema. A encenação é acompanhada por vídeos, realizados por Thiago Pedroso, que trazem imagem e movimento à poética de João Cabral e imprimem essa noção universal da viagem, da migração, mas sem abandonar por completo o regionalismo marcante da obra.
O Severino parte de uma terra seca e as imagens de vídeo marcam esse início. Mas conforme a viagem vai evoluindo, as imagens vão perdendo esse tom localizado, nós vamos começando a inserir imagens de outros lugares do globo que apontam para o contemporâneo. Quando ele chega em Recife, não estamos em Recife, mas estamos numa grande cidade que poderia ser Paris e Hong-Kong ao mesmo tempo”, revela o videasta.
A música, criada por Yure Romão, que também atua na peça, ajuda a ampliar a noção da viagem. Ele decidiu construir “uma música só, mas dividida em vários momentos, guiada por um baixo do violão, que tece todas essas vozes que vão aparecendo.”
Atriz no papel de Severino
Outra novidade da montagem em francês é que o personagem principal Severino é interpretado, talvez pela primeira vez, por uma mulher. “No poema, o severino não tem um gênero definido, é só um personagem que viaja. Muitas mulheres também fazem essa viagem. Por que é sempre o homem que acaba tendo esse papel principal de contar suas mazelas?” questiona Marina Camargo que interpreta Serverina.
A peça traz ainda a participação da atriz Ana Laura Nascimento, que é natural de Pernambuco, para quem “redescobrir esse texto enquanto migrante é muito bom”. O baiano Marcos Azevedo, que é psicólogo, realiza sua primeira experiência de fato no teatro e ressalta o interesse em “se fazer compreender e entrar em sintonia com um público e num lugar onde não fala a língua, onde não se apropria completamente as regras”. A mineira Rita Grillo também integra a trupe.
A apresentação no Teatro da Bastilha integra a programação do Festival Acte et Fac, que financiou a montagem da peça. Por enquanto, a diretora, o videasta e os atores participam como voluntários, sem salário. Mas eles esperam que depois dessa primeira encenação muitos programadores vão se interessar por essa “Mort et vie Séverines”, a cia Amaü vai se profissionalizar e eles vão poder levar o espetáculo para o Brasil.
“Somos todos Severinos”, dizem em coro os participantes da peça. Fazendo um paralelo com o desejo de uma vida melhor expressada pelo poema de João Cabral, eles dizem que para eles, do setor artístico e cultural, a França é o “Recife do retirante brasileiro”.

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