Ziguinchor: uma cidade no Senegal com 30 mil descendentes de portugueses
Em Ziguinchor, sul do Senegal, vivem milhares de descendentes de portugueses que mantêm viva uma herança cultural única e uma língua crioula com raízes lusas.
Na região da Casamansa, no sul do Senegal, há uma cidade onde o passado português ainda marca o presente. Em Ziguinchor, vivem cerca de 30 mil descendentes de antigos colonos lusos, herdeiros de uma história que começou há mais de cinco séculos.
A ligação entre Portugal e esta cidade africana é profunda, feita de comércio, encontros culturais e memórias partilhadas.
A presença portuguesa na região iniciou-se no século XV, quando os navegadores lusos exploravam a costa ocidental africana em busca de ouro, marfim e escravos.
Ziguinchor, fundada em 1645, tornou-se um dos entrepostos comerciais mais importantes, sob administração da colónia portuguesa da Guiné, com sede em Cacheu.
Para garantir influência e segurança, os portugueses ergueram a Fortaleza de Nossa Senhora da Conceição e estabeleceram relações próximas com os reinos locais.
Com o tempo, nasceu uma nova comunidade: os “fijus di terra”, filhos de portugueses e mulheres da etnia diola. Estes descendentes herdaram apelidos portugueses como Afonso, Barbosa ou da Fonseca, praticavam a religião católica, falavam crioulo e mantinham hábitos culturais europeus. Tornaram-se proprietários, comerciantes e figuras influentes na cidade.
Tudo mudou em 1886, quando Portugal cedeu a região de Casamansa à França em troca da aldeia de Cacine, na Guiné-Bissau. Para os “fijus di terra”, essa troca foi sentida como uma traição. Muitos resistiram à nova administração, mas acabaram por adaptar-se à realidade colonial francesa.
Apesar do abandono político, a identidade luso-descendente não desapareceu. Em Ziguinchor, continua a ouvir-se o crioulo local — uma variante do crioulo da Guiné-Bissau, com influências do francês e das línguas da região — falado por mais de 60 mil pessoas.
A par da língua, persistem costumes como o “Domingo de Ziguinchor”, momento em que a população se reúne na catedral local e percorre as ruas em trajes elegantes, numa celebração de pertença e distinção.
O Carnaval, embora menos vibrante do que no passado, mantém o seu espírito de crítica social e coesão comunitária. E a gastronomia, marcada pela fusão entre sabores africanos e receitas portuguesas, como o arroz de coco ou o calulu, continua a contar histórias à mesa.
Contudo, nem tudo são celebrações. A região vive desde 1982 um conflito armado entre o governo senegalês e o movimento separatista MFDC.
Este cenário de instabilidade tem afectado profundamente os habitantes da Casamansa, incluindo os descendentes de portugueses, que se dividem entre o desejo de autonomia e o receio de novos confrontos. Defendem a paz e o diálogo como caminho para o futuro.
Outro desafio é a preservação da língua e da cultura. O crioulo de Ziguinchor não é oficialmente reconhecido no Senegal, e faltam materiais educativos que garantam a sua transmissão às novas gerações.
Ainda assim, há esforços no terreno: o Centro da Língua Portuguesa na cidade oferece cursos gratuitos e promove a cultura lusófona, com o apoio de Portugal.
A história de Ziguinchor é um testemunho de como os laços criados há séculos continuam vivos, mesmo à margem dos grandes centros e das narrativas dominantes.
Entre desafios e resistência, esta cidade guarda, em cada gesto e palavra, uma herança portuguesa que não se deixou apagar.


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