De cartão-postal a território do crime: como facções dominaram praias do Nordeste e transformaram o turismo em grande negócio ilícito
Com promessas de tranquilidade aos turistas, facções impõem suas próprias leis, exploram o comércio de drogas e ampliam a violência em destinos turísticos do Ceará, Pernambuco e Rio Grande do Norte

Turismo e crime organizado lado a lado
Segundo reportagem da BBC News Brasil, moradores relatam que o poder paralelo dita normas nas comunidades vizinhas às praias, impondo regras contra furtos de turistas, mas punindo com violência moradores acusados de descumprir as ordens. Câmeras instaladas por criminosos monitoram entradas e saídas, e até agentes públicos precisam se identificar para circular em áreas dominadas.
As facções encontraram nos destinos turísticos de alto fluxo de visitantes uma fonte contínua de renda, onde festas, drogas sintéticas e consumo elevado favorecem o crescimento do comércio ilegal. O Ministério Público e a polícia apontam que os grupos passaram a tratar o tráfico como “filiais” de um negócio organizado.

Porto de Galinhas: território controlado pela Trem Bala
Em Ipojuca, no litoral pernambucano, o grupo Trem Bala (ou Comando do Litoral Sul) domina comunidades próximas à praia e mantém controle por meio de intimidação, câmeras de vigilância próprias e tribunais do crime.
Relatos apontam que assassinatos, toques de recolher e cemitérios clandestinos marcam a vida local. Apesar de a região apresentar redução nos índices oficiais de homicídios desde 2017, especialistas explicam que a queda se deve à ausência de disputas entre facções, e não à segurança real.
Um episódio marcante ocorreu em 2022, quando moradores foram obrigados a fechar o comércio após operação policial que resultou na morte de uma criança. Desde então, o grupo consolidou seu domínio, mantendo vínculos tanto com o Comando Vermelho quanto com o PCC.
Pipa: facção organizada como empresa
Na praia potiguar, o Sindicato do Crime estruturou um sistema com cargos, escalas e remuneração para jovens aliciados, que atuam como olheiros, vapores e soldados do tráfico. Há relatos de venda aberta de drogas e até de estabelecimentos controlados pelo grupo.
Um estatuto interno com 21 artigos estabelece regras rígidas, como a proibição de som alto, traições afetivas e uso de crack. O grupo mantém tribunais do crime próprios e controla conflitos locais.
A expansão foi estratégica: além do valor simbólico de dominar a praia natal dos fundadores, Pipa atrai turistas de alto poder aquisitivo e grandes festas. Em 2024, um triplo homicídio no centro da vila expôs a disputa por território, apesar das prisões recentes que tentaram desarticular a facção.
Jericoacoara: do turismo sustentável ao controle do Comando Vermelho
No Ceará, Jericoacoara passou a ser dominada pelo Comando Vermelho, que se instalou na região a partir de 2016. O caso mais emblemático ocorreu em dezembro de 2024, quando um adolescente paulista de 16 anos foi assassinado após ser confundido com integrante de facção rival.
A mudança do perfil turístico, antes voltado ao ecoturismo e hoje direcionado a festas e drogas, ampliou a presença do crime. Moradores relatam episódios de intimidação e agressões em becos da vila, com “meninos do corre” controlando a venda de entorpecentes.
Segundo o pesquisador Artur Pires, do Laboratório de Violência da Universidade Federal do Ceará, o Estado se tornou atrativo pela proximidade com EUA e Europa, favorecendo o escoamento internacional de drogas e armas. Além disso, a pressão policial no Rio de Janeiro levou criminosos a migrarem para o Ceará.
A lógica do “negócio” das facções
As três praias refletem um mesmo modelo: facções que mantêm a imagem de tranquilidade para turistas enquanto exploram moradores locais e reforçam seu poder armado. Para especialistas, a fragilidade da presença estatal em cidades pequenas com alto fluxo de renda é o fator que facilita a instalação desses grupos.
Um inquérito de 2022 revelou que apenas em Porto de Galinhas a movimentação do tráfico alcançava R$ 10 milhões por ano. Já em Pipa, estimativas policiais apontam cerca de 20 mil integrantes do Sindicato do Crime em todo o estado.
As operações policiais, embora frequentes, têm efeito limitado: novos líderes rapidamente assumem o comando, mantendo o ciclo de violência e negócios ilícitos. Enquanto isso, os moradores convivem com a chamada “lei do crime”, que substitui a ausência do poder público.
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