Aprendi a língua lusitana aos trancos e barrancos - e algumas
leituras - nos becos e tascas de Lisboa e arredores. Assim que escrever em português
nunca deixou de ser um permanente e prazeroso desafio.
Esta semana estou a deliciar-me com uns “Contos sem datas” de
Machado de Assis, numa edição da Civilização Brasileira de 1956, comprada num
sebo da rua Rui Barbosa. Apesar de edição popular, meu livro porta o número
2073.
Não obstante o título, cada conto é devidamente datado e com
referência de origem. Vários são os jornais com os quais o fundador da Academia
de Letras colaborou. Além da descontraída elegância do estilo, descubro
palavras, geralmente arcaicas, talvez familiares ao leitor, mas novas para mim.
Logo de entrada esbarrei, no “Caso da viúva”, com a bocetinha
de tartaruga da charmosa dama. Desconhecia por completo, confesso, seu significado
acadêmico. Como muda, ao longo dos anos, o uso de certas palavras!....Sabemos
que nossos irmãos do além-mar chamam de raparigas suas próprias filhas e que,
lá, os paneleiros participam alegre e assumidamente das paradas arco-íris da
bem-chamada Avenida da Liberdade.
Se, na primeira estadia no Rio me hospedei em casa de um tio,
na segunda, acompanhado de amigos, ficamos num hotel de Copacabana. De manhã,
cedinho, usei o telefone para pedir meu pequeno almoço no quarto, como era
costume nos anos 70. A telefonista me respondeu “Pois não, senhor...”.
Intrigado, perguntei porque não podia, já que o horário estava dentro da normalidade.
“Pois não! ” repetiu a moça. Ainda demorei até entender que esta negação era na
verdade uma afirmação.
Recém-chegado à Bahia, fiquei profundamente chocado quando alguém
me interpelou com um sonoro “Moço!...”, algo que em Portugal, dirigido a um
adulto, equivale a moleque. Em outra oportunidade, aguardando na bicha... ops,
na fila do banco, vi uma senhorita passar na frente de todos; não me detive e
chamei-a em alto e bom som, de descarada, Só por milagre não foi linchado pela
agência inteira. Em Portugal esta palavra equivale a um banal “cara de pau”.
Restou-me a aguentar o muxoxo das lambisgoias e a reprovação geral dos
engravatados, explicando que lá, do outro lado do oceano...
Mas, voltando ao genial mulato, como fluem as frases, sem
esforço aparente, sem descrição enfadonha nem adjetivos supérfluos, sempre banhado
numa ironia discreta que tanto o diferencia de um Eça de Queiroz – pelo menos
daquilo que li - de Dickens ou Balzac,
os três impregnados de sombrio realismo social. Notemos, en passant, que Machado de Assis tem o mesmo fascínio pelos
delicados pés femininos que o Swann de Proust.
Pedindo desculpa por eventual ostentação livresca, despeço-me
com um ósculo de partida.
Parabéns, caro Dimitri, pelo texto.
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