terça-feira, 19 de junho de 2018

A BARRA E A OMISSÃO DA SEMOP

Grande Hotel da Barra 
Vizinho do barulho.
Resultado de imagem para fotos grande hotel da barra

Procura um hotel?
Em sites de busca é comum encontrar avaliações feitas por hóspedes. Penso que uma avaliação da qualidade de qualquer estabelecimento para ser abrangente e rigorosa necessita de um fator de medição do efeito que este provoca em seu entorno. Este fator não é encontrado em sites de busca de hotel, mas neste texto espero dar minha contribuição.
Abaixo vai o relato sobre um hotel feito por uma pessoa que pretende nele nunca se hospedar, nem nele trabalhar, e, por razões que tornarei compreensíveis, recomenda a ninguém neste hotel se hospedar.
Refiro-me ao Grande Hotel da Barra, localizado na Rua do Forte de São Diogo, em frente à Praia do Porto da Barra em Salvador, Bahia.
Por que dou o nome do hotel? Parece grosseiro? Pode ser. Por mais de um ano tentei resolver esse problema conversando, somente recebi indiferença. Se o problema tornar-se público, talvez os responsáveis tomem alguma atitude para resolver ou diminuir o abuso.
O site oficial deste hotel vende a imagem de “tradição, elegância e conforto” como suas principais características; no Google Maps o hotel aparece como “Opção Tranquila”. Resido em edifício vizinho a este hotel e a percepção que tenho do GHB é bem diferente.
A qualquer hora do dia o barulho vindo deste hotel invade meu apartamento. São ruídos de todo tipo: pratos e talheres, jogo de dominó, música alta, conversa alta de hóspedes na piscina, e, principalmente, motores de aparelhos espalhados pelo hotel. No GHB está liberado para os hóspedes acordarem a vizinhança às 6 da manhã à beira da piscina tocando com voz e violão os sucessos do verão. Na alta madrugada, o risco maior é acordar com os berros de funcionários que discutem furiosamente no pátio externo, ou acordar com o motor de aparelho usado para limpar a piscina às 5 da madrugada. Não se pode esperar descansar ou ter tranquilidade para estudar, a qualquer hora algum funcionário poderá usar alguma máquina extremamente barulhenta para colocar o serviço em dia.
Quando é o caso de quem estiver fazendo barulho for um hóspede funcionário da Rede Globo é pior ainda, este tem permissão especial para mostrar a toda vizinhança seu gosto musical. Quem me informou isso foi pessoa que se apresentou ao telefone como gerente deste hotel, depois que expliquei a ele que minha família não conseguia mais usar metade de nosso apartamento naquele momento devido ao volume do som vindo da área da piscina. No Carnaval a situação piora, e muito, minha história de carnaval difere da maioria: os blocos de rua que passaram por aqui não incomodaram nem um pouco, já os turistas do hotel decidiram transformar o pátio externo num camarote vip improvisado.
Não adianta ligar reclamando para a recepção do GHB, se ainda não passou das 22:00 os funcionários se negam a fazer o barulho parar. Quando o funcionário é informado de que seu entendimento sobre a “lei do silêncio” é incorreto e que o hotel está sim infringindo a lei, o mesmo funcionário rispidamente atacará “Qual lei, qual artigo?! Discuta com o setor jurídico!”. Ao ser requisitado o número de telefone do setor jurídico, o mesmo funcionário desligará o telefone com um grosseiro “boa-noite”. Para quem acredita que alegação de ignorância acerca da lei é desculpa para infringi-la impunemente, é bom saber, não é desculpa: “Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece.” Art. 3o da Lei no. 4.657/1942, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro http://www.planalto.gov.br/…/decreto-l…/Del4657compilado.htm
Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece, quanto menos um estabelecimento que tenha o grau de complexidade de um hotel como o Grande Hotel da Barra possuidor de setor jurídico. Pergunto: o que fazem os funcionários deste setor? Não caberia a eles orientar os funcionários do hotel quanto a infrações que possam ocorrer no estabelecimento e assim talvez evitar conflitos com a vizinhança? Até onde vai minha experiência, os funcionários do GHB parecem preparados em garantir que seus hóspedes fiquem blindados de saber quão ruim é a impressão que causam na vizinhança. O pessoal de relações públicas do hotel tão pouco deverá se importar que os transtornos diários causados por hóspedes e funcionários possam contribuir para a desvalorização da Barra como bairro residencial. Sim, a Barra é residencial, ainda, apesar da desastrosa política de valorização do bairro como majoritariamente turístico.
Não adiantou ligar para SEMOP até agora; este órgão criado para mediar conflitos de ordem pública tornou-se produtor de protocolos, pântanos burocráticos, uma espécie de amortecedor, mas não solucionador de conflitos, especialmente no que tange à poluição sonora. O barulho dos motores ainda está dentro do limite? Em que isso impede um fiscal de ir ao hotel exigir que os aparelhos estacionários tenham isolamento acústico como manda a lei? O fiscal entende que o barulho constante de motores 24 horas diárias transtorna de fato, mas não vai incomodar o hotel 4 estrelas assim mesmo.
Como posso definir a sensação de morar ao lado deste hotel? É ter vista para o mar com a trilha sonora de uma usina. Dependendo da hora, do dia, da estação do ano, se faz sol ou chuva, as sensações variam entre: a impressão de que faço parte do corpo de funcionários do hotel, morar ao lado de um bar bastante movimentado, ou mesmo, como nos últimos meses, morar ao lado de uma turbina. Há algumas constantes: o telefone da recepção que toca tão alto que parece estar em meu apartamento; o barulho dos muitos aparelhos estacionários sem nenhum abafador de som; e o cinismo de funcionários que ora fingem que não há barulho, ora dizem que a lei do silêncio só vale a partir das 22:00. Como regra geral, o que há é um descaso com a vizinhança exemplificado claramente por aquele que se apresentou ao telefone como gerente do hotel ao afirmar categoricamente que não há e nem haverá nenhuma iniciativa para evitar ou sequer diminuir o barulho.
Eu nunca coloquei os pés no Grande Hotel da Barra, mas há certos dias que este hotel está bem dentro do meu quarto, de todos os quartos, da sala, da cozinha.
Como este hotel, seus hóspedes, seus funcionários, sua gerência e seus proprietários nunca foram convidados a entrar em minha residência, não seria este um caso de invasão de propriedade? Como a invasão se dá por via sensorial, e como o entendimento na medicina é o de que barulho excessivo causa danos reais, incontestáveis, prolongados e até permanentes, não deveria a legislação neste país entender e tratar a violação da “lei do silêncio” como agressão física? Ou, por lógica reversa, será que eu e todos os moradores do meu prédio deveríamos pagar ingresso pelos “shows” que acontecem no pátio da piscina? Deveríamos atender ao telefone na recepção? Deveríamos dar palpite nas conversas de funcionários e hóspedes? Deveríamos mostrar para todo o pessoal no hotel nossos gostos musicais?
Por tudo isso, eu aconselho: aquele que vier a Salvador atrás apenas de sol, mar, água de coco e música alta, não precisa gastar muito dinheiro se hospedando neste hotel, qualquer pensão ou boteco da Barra serve. Mas se você vier atrás de tranquilidade, conforto e elegância, e, se não concorda com a prática diária desses abusos e infrações, evite o Grande Hotel da Barra.
“Lei do Silêncio” ou Lei do “Silêncio”?
A quem serve a lei do silêncio? Em Salvador, sinto que ela serve para dar permissão a quem quiser para fazer barulho. Explico, os limites de decibéis permitidos são suficientes para garantir que pessoas abusivas invadam espaços e ouvidos sem que a lei os importune.
De acordo com a Lei 5.354/98, o volume permitido entre 7h e 22h é de 70 decibéis, e de 60 decibéis das 22h às 7h.
“Quando os sons e ruídos forem causados por máquinas, motores, compressores ou geradores estacionários os níveis máximos de sons e ruídos são de 55 dB (cinqüenta e cinco decibéis), no período compreendido entre 7:00h e 18:00h e 50 dB (cinqüenta decibéis), no período compreendido entre 18:00h e 7:00h.”
Na prática cotidiana o que isto implica? Encontrei alguns dados esclarecedores, mas não tanto, nos sites:
Em termos práticos: 60 decibéis equivalem a uma conversa em tom civilizado ou conversa alta? A discussão horrorosa entre funcionários no pátio que me arrancou do sono às 5:00 da madrugada equivaleria a 85 decibéis (pregão da Bolsa de Mercadorias & Futuros, festas em bares) ou 100 decibéis (latido de cão rottweiler)? O barulho dos aparelhos refrigeradores de ar deste hotel (aparelho-de-ar = 65 decibéis – no caso de dias quentes é bem mais que isso, se somar todos os aparelhos ligados ao mesmo tempo, além de outros motores, e todos sem abafadores de ruído, o barulho resultante mais parece turbina de avião). Nos dias “mais animados” a música ouvida por hóspedes desse hotel está bem longe de 65 dB (aparelho de som no volume normal) e bem mais próxima de show (100-130 dB, esta é sensação de pessoa próxima a 2-3 metros da caixa de som).
Os limites da Lei 5.354/98 e Grande Hotel da Barra
O Grande Hotel da Barra tem permissão legal de instalar vários aparelhos estacionários num pátio aberto para a vizinhança? Aparelhos esses cujos motores podem ficar ligados quase continuamente por 24 horas diárias, sem qualquer abafador de som (como mandaria a lei)? A Lei 5.354/98 permite que cada um destes motores possa transmitir entre 50-55 decibéis a depender do horário? Esse volume de som que é sentido em todos os cômodos de meu apartamento, especialmente no meu quarto, é suficiente para atrapalhar a concentração em uma leitura, impedir relaxamento, tornar impossível o sono tranquilo sem uso de tampões de ouvido. Se esse hotel estiver dentro da lei, esta lei deveria ser revista porque é desumana.
A música alta dos hóspedes cria alguns dilemas: ter que escolher entre fechar as janelas do apartamento e aceitar ter a conta de energia elevada mesmo no inverno, ou aceitar não poder usufruir plenamente da própria casa. Na prática, as falhas gritantes e insensíveis da “lei do silêncio” significam a limitação do direito de morar, dormir, descansar, ler, decidir qual música ouvir, ou não ouvir, e quando. A “lei do silêncio” de Salvador garante não o direito ao cidadão soteropolitano, mas o privilégio ao hóspede que vem curtir Salvador. A Lei 5.354/98 permite a turistas colocarem limites ao morador soteropolitano sobre o uso do seu próprio espaço e tempo.
Segundo o site da SEMOP (Secretaria Municipal de Ordem Pública) em Salvador a multa por violação da Lei 5.354/98 “varia de acordo com os decibéis excedentes e fica entre R$ 813 e R$ 135 mil”. A grande questão prática é: proprietários de estabelecimentos altamente lucrativos como hotéis localizados tão próximos a pontos turísticos sentem cócegas quando/se são multados? Enquanto hotéis barulhentos lucrarem na alta estação, e particularmente durante o carnaval, as multas que talvez um dia paguem não tornará o saldo negativo. Seria o caso de aperfeiçoar a lei para que esta tenha verdadeiro efeito de obrigar infratores a pensar antes de insistir no abuso. O cálculo da multa a ser paga deveria levar em consideração não apenas os decibéis excedentes, mas também o alcance do dano provocado em número de pessoas atingidas pelo barulho, assim como a duração do tempo de abuso. Afinal, não se deveria tratar como se fossem iguais em efeito “o carro do ovo” (que importuna um número enorme de pessoas, mas por pouco tempo, embora quase todos os dias) comparado a motores que ficam ligados todo o tempo parados no mesmo lugar.
Outras questões práticas não contempladas pela “lei do silêncio”: Quem paga os possíveis danos provocados em estrutura de prédios vizinhos ao barulho? Quem paga o tratamento terapêutico para aliviar o stress diário causado pelo barulho? Quem paga o tratamento de otorrino em casos de infecção de ouvido por uso constante de tampões? Quem paga o aparelho de surdez no futuro? Qual deveria ser a indenização a pagar às pessoas que se veem forçadas a sair da própria residência por causa do barulho de “shows” transmitidos por caixas de som extremamente altas em área residencial?
Paz e dignidade têm preço? A lei do “silêncio” em Salvador dá a entender para certos proprietários de estabelecimentos que dignidade não ter valor, mas tem um preço bem baixo.
Tá Favorável. Tá Tranquilo. Para quem?
No meu entender, a legislação criada para administrar o barulho em Salvador reflete uma mentalidade mercantilista. Mentalidade essa que gera uma política de privatização do uso do espaço público expressa na valorização da cidade como essencialmente turística e na desvalorização do direito do cidadão em usufruir não somente dos espaços públicos, mas também do espaço privado. Salvador mais e mais é loteada para a prática de shows a cada ano por mais dias, consequentemente o barulho é naturalizado, mais que isso, o barulho torna-se um artigo de consumo, um direito do turista-consumidor que vem a Salvador “curtir” o Carnaval em qualquer dia do ano. Disso resulta a naturalização da deterioração do espaço público e da invasão do espaço privado pelo barulho, especialmente nas áreas residenciais em bairros turísticos. A paz pública não se faz, e o sossego do cidadão morador de Salvador é impedido em prol do prazer do consumidor/turista. O direito de usufruir do silêncio e da tranquilidade na própria casa torna-se artigo de consumo de luxo, ou, no entender de pessoas abusivas uma bobagem.
A legislação criada para tratar de conflitos provocados por poluição sonora acaba por servir não como coibidora de excessos, não educa para a cidadania, não protege o cidadão, mas, torna-se uma barreira de contensão entre abusadores e abusados. A produção sem-fim de protocolos apenas prolonga tensões e passa uma falsa idéia de que há um funcionalismo municipal capaz de solucionar a violência da poluição sonora. O que ocorre de fato é que essa lei mal escrita para os fins desejados, ou bem escrita para fins não proclamados, impede que qualquer órgão criado para lidar com o problema realmente resolva o problema. O resultado dessa legislação defeituosa é que se reforça uma cultura de abusos.
Essa política voltada para turistas praticada por décadas, e que se tornou especialmente perversa nestes últimos anos em Salvador, encontra-se ironicamente ilustrada na imagem que decora o muro interno do GHB para ser visto por quem nele se hospeda. A imagem no muro recria a chegada dos europeus as praias brasileiras que antes pertenciam aos índios. Os índios não aparecem na imagem, portanto a perspectiva de quem vê o painel (o turista a beira da piscina) é a perspectiva dos índios que estariam na praia testemunhando a chegada dos futuros colonizadores. Os turistas deveriam se sentir indígenas, os antigos donos desta terra? Aqueles índios que seriam usurpados, desterrados, explorados pelos invasores europeus? Creio que esta imagem no muro deveria voltar-se para o lado oposto, o lado dos cidadãos soteropolitanos, estes é que são os índios da Salvador do presente. Especialmente os moradores da Barra, somos nós os índios invadidos todos os dias por colonizadores travestidos de turistas e protegidos por leis bem pouco cidadãs.
Foto de SOS Salvador, cidade do barulho.

Nenhum comentário:

Postar um comentário