Charlatões da nova política só serão derrotados por nova geração de políticos
As semelhanças entre a deputada federal pelo PDT Tabata Amaral e a congressista democrata Alexandria Ocasio-Cortez, popularmente conhecida como AOC, vão muito além da corajosa trajetória pessoal e da qualidade das intervenções. Elas irromperam na cena política num momento de perplexidade diante do avanço da direita populista.
Confrontado à sequência política da semana passada, uma das mais degradantes da Nova República, Ciro Gomes abandonou o colaboracionismo raso ensaiado no começo do mandato e regressou ao habitual figurino de coronel rabugento e mal-educado, chamando o presidente de “imbecil”.
Previsivelmente, Gleisi Hoffmann demonstrou pelos seus comentários sobre a tensão entre Bolsonaro e Mourão que, tal como um personagem de Edvard Munch, está eternamente perdida numa espiral infernal, a poeirenta narrativa do golpe.
Num breve mas contundente questionamento do cidadão que alegadamente comanda o Ministério da Educação, Tabata Amaral mostrou que o campo progressista tem muito mais a ganhar afrontando o governo com dados e ideias do que com bravatas e digressões.
No Congresso americano, Alexandria Ocasio-Cortez vem alertando há meses para a necessidade de oferecer uma alternativa programática, que ela propõe na forma de um “New Deal” ambiental, em vez de apostar tudo na ofensiva moral e jurídica contra Donald Trump. O fiasco recente da investigação sobre a intervenção russa na campanha eleitoral deu-lhe toda razão.
Tabata e AOC se situam em extremos opostos da esquerda e por isso divergem no estilo e nas ideias. Mas elas desempenham um papel semelhante nos seus respectivos campos políticos: revelar que as lideranças da geração atropelada pela direita populista precisam repensar profundamente a sua atuação.
Nesse sentido, as duas são agentes genuinamente radicais, independentemente das suas convicções ideológicas. Isso explica porque os centristas americanos e os mais primitivos esquerdistas brasileiros tratam a ascensão das duas jovens politicas com a mesma arrogância e desdenho.
É o reflexo corporativista de uma casta desesperada em situação acelerada de extinção.
Tabata e AOC (ainda) não estão aqui para tomar o poder.
Elas vieram acelerar a tão necessária renovação politica. É impossível dissociar o surgimento da nativa do Bronx com a emergência de uma nova geração de presidenciáveis no campo democrata. Antes mesmo das primarias começarem, esses novos líderes já aniquilaram a possibilidade de uma candidatura da velha ordem, como Joseph Biden, vice-presidente de Barack Obama, e até Hillary Clinton.
Temos de torcer para que Tabata e muitos outros da sua geração —Sâmia Bomfim, por exemplo, salvou a honra da República ao forçar a aterrissagem de Ernesto Araújo na Câmara dos Deputados e merece ser acolhida com o mesmo entusiasmo— façam tremer o chão do campo progressista brasileiro.
Porque já não restam dúvidas de que os charlatões da nova política só serão derrotados por uma nova geração de políticos.
Mathias Alencastro
Pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e doutor em ciência política pela Universidade de Oxford (Inglaterra).
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