domingo, 7 de abril de 2019

DE GARFO E CANETA

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Durante alguns anos fui crítico gastronômico da Gazeta Mercantil/Bahia. Tarefa árdua numa terra onde todos são parentes ou se conhecem e levam qualquer observação como ataque pessoal e destrutivo.
Costumava reservar uma mesa sempre no nome da pessoa que me acompanhava. Esta variava conforme o restaurante escolhido. A romana Fernanda Cabrini foi uma preciosa parceira para conhecer os italianos. Para avaliar a cozinha do Senac, levei uma baiana que confirmou minhas restrições. No então xodó da Contorno, todo branco, fui com uma amiga jornalista. Baixinha, rechonchuda, não foi avaliada como VIP pela recepcionista que nos colocou lá no mezanino, longe das habituées emperiquitadas. Na telona, clipes de gente esquiando... nos Alpes! A peixada me deixou doente. 
Fui o primeiro a louvar irrestritamente o Paraíso Tropical no Cabula onde a gente fina não ia, mas que tinha personalidade e criatividade. Elogiei, e continuo elogiando, o modesto Mini-Cacique da rua Rui Barbosa pela qualidade perene de sua cozinha tradicional. Louvei um famoso restaurante japonês, recusando, porém, o presente que pretendia me mandar para agradecer.
Em pouco tempo estabeleci uma reputação de carrasco, o que nunca fora a intenção. Mas como aceitar um peixe grelhado quase queimado, ressecado, escargots com água suja no fundo da concha mal lavada ou uma paella exageradamente gordurosa?
Sempre paguei minha conta, sempre no mais total anonimato. O jornal assumia gastos, irritações e entusiasmos, sem jamais intervir.  Nem todos tinham as mesmas preocupações de ética. Uma noite, chego no restaurante do Beto Pimentel, ele com cara dos dias ruins. “ Dimitri, você nem imagina! Ela desembarcou com mais três amigas. Beto, meu amor. Não votei para você no Veja Salvador, mas você sabe que lhe adoro! Encomendaram do bom e do melhor e saíram sem nem pedir a conta! ”. Estranhei. Porque não foi atrás para cobrar? Coisas que só na Bahia...
O júri da Veja Salvador dos primórdios dava sentenças que pareciam definitivas. Jurado por duas vezes, geralmente eu discordava dos resultados finais. O erro estava na seleção de quem ia julgar. Frequentar os estabelecimentos da moda não lhe torna um gourmet. Muitos nem sabem como fazer uma boa batata frita ou uma simples omelete.
Lembro também daquela outra jornalista. Frequentava dia sim dia não o Glacier Laporte, no Cruzeiro de São Francisco. “Adoro! ” gritava ela com entusiasmo dia sim e o outro também. Mas quando foi convidada pela dita revista a participar do júri, votou na sorveteria da Ribeira e nunca mais colocou os pezinhos no (excelente) estabelecimento do francês. Ela perdeu muito mais que o sorveteiro.
Comer é fácil. Saber comer é mais complicado.


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