Servidores do Iphan questionam processo sigiloso que muda estrutura do órgão
Thaís Seganfredo
O governo Bolsonaro está mudando a estrutura do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) sem transparência. No dia 17 de dezembro, uma portaria extinguiu um cargo em comissão da Coordenação de Identificação e Registro (CGIR), realocando-o para a Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental (CNL), diretamente ligada à Presidência do Iphan. A CNL é a unidade responsável por avaliar o possível impacto de empreendimentos aos bens culturais tombados, registrados ou valorados pelo Iphan. Na prática, a área de licenciamento, que também aprova o andamento das obras, ganhará mais um cargo nomeado diretamente pelo governo.
Internamente, servidores afirmam que a mudança representa a extinção da área de identificação de bens imateriais culturais do Iphan. Os técnicos também questionam o que acontecerá com as áreas de diversidade linguística e registro dos bens, que integram a CGIR, e se haverá mais alterações no setor. O processo sigiloso foi aberto pelo ex-diretor do Departamento de Patrimônio Imaterial, o pastor Tassos Lycurgo, e está em tramitação desde outubro de 2021, o que indica que outras mudanças podem estar ocorrendo na estrutura da instituição.
Por meio de um ofício público datado de 23 de dezembro, a Co ordenadora-Geral de Identificação e Registro substituta pediu dispensa do cargo e registrou que não foi informada sobre a decisão de extinção da Coordenação de Identificação. A servidora também alertou sobre as consequências da alteração, que segundo ela “implicará em impactos efetivos ao serviço de identificação do patrimônio cultural prestado à sociedade brasileira e à organização interna dos atos administrativos da CGIR”. Fontes ouvidas pelo Nonada Jornalismo afirmam que diversos processos do Iphan estão sendo realizados sem transparência, faltando diálogo com o quadro de funcionários e consulta às respectivas áreas técnicas.
Em documento enviado no dia 24 de dezembro ao diretor do Departamento de Patrimônio Imaterial e à presidente do Iphan, Larissa Peixoto, a equipe de técnicos e analistas da Coordenação-Geral afetada pediu acesso às informações que constam no processo e o agendamento de uma conversa com as chefias. “Infelizmente, o antigo diretor nunca realizou uma reunião com toda a equipe, inviabilizando o estabelecimento de diretrizes para a nossa atuação durante o tempo em que esteve à frente do DPI”, diz o ofício.
Desde 2019, o Fórum de Entidade em Defesa do Patrimônio Cultural vem alertando sobre as exonerações e nomeações promovidas no Iphan, inclusive para a presidência do Iphan e para as superintendências. “Ressalta-se que o caráter operacional dos referidos cargos exige de seus ocupantes uma formação acadêmica e uma experiência profissional prévia com a temática, como estabelecido pelo decreto citado. Sem o necessário conhecimento técnico nos postos-chave, coloca-se em risco todo o funcionamento da estrutura de preservação do patrimônio em nosso país”, diz nota publicada em maio de 2020.
Em meados de dezembro, o presidente Jair Bolsonaro confessou publicamente que interferiu na autonomia da instituição ao nomear a turismóloga Larissa Peixoto como presidente do Iphan devido a uma obra da Havan. “Tomei conhecimento que uma obra de uma pessoa conhecida, o Luciano Hang, estava fazendo mais uma loja, e apareceu um pedaço de azulejo nas escavações. Chegou o Iphan e interditou a obra. Liguei para o ministro da pasta: que trem é esse? O que é Iphan, com PH? Explicaram para mim, ripei todo mundo do Iphan. Botei outro cara lá”, disse Bolsonaro.
No dia 18 de dezembro, a presidente chegou a ser afastada do cargo pela Justiça, mas a decisão foi revertida em segunda instância após recurso da Advocacia-Geral da União. Larissa Peixoto foi nomeada em maio de 2020 no lugar da historiadora Kátia Bogéa.
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