Quando pensamos em lenços de seda, calças de veludo rosa, ou casacos de tweed feitos por um alfaiate, decerto que não fazemos logo uma associação às favelas mais pobres da África? Mas tudo isto é comum para qualquer habitante do Congo!
Na vida nem sempre podemos escolher o que fazemos, mas podemos sempre escolher quem somos'! Assim começa o anúncio comercial de uma muito conhecida marca de cerveja preta.
Tive conhecimento desta subcultura quando vi um anúncio da Guinness, a famosa cerveja irlandesa. Rapidamente fiquei intrigado pelos homens que ali figuravam, os Sapeurs.
Este é um fenómeno incomum em África (diria até que no mundo inteiro). A subcultura dos Sapeurs, os homens extraordinariamente bem vestidos do Congo. Alguns homens têm medo do Dandaísmo, no Congo é um privilégio e um orgulho ser um dandy!
No meio de favelas destruídas pela guerra, e reconstruidas com pedaços de qualquer coisa, estes homens vestem-se com fatos feitos à medida. Elegantemente passeiam nas ruas, lamacentas, onde uma tábua serve para fazer de ponte, conseguindo manter os seus sapatos, orgulhosamente engraxados, imaculados.
A 'Sapologia' ou Dandaismo no Congo não é nenhuma qualquer tendência de moda. É uma forma de viver a vida que implica mais do que estar bem vestido, ou do que ser vistoso. É quase como um código de conduta que torna o Sapeur em alguém importante, não pelo que veste mas pela pessoa que pretende ser!
Diz o ditado popular que o 'hábito não faz o monge', mas a roupa do Sapeur, torna-o um homem melhor!
Os dandies africanos remontam ao século 18, quando os escravos (principalmente os que privavam de perto da vida dos seus 'donos') eram vestidos de uma forma elegante, para assim, poderem 'encaixar' nos ambientes luxuosos onde trabalhavam. Mais tarde, quando a escravatura foi abolida, muitos africanos livres já tinham começado a criar o seu próprio estilo dandy. Eram bem mais originais que os europeus, incorporando elementos diferentes, mas mantendo sempre uma máxima, a elegância!
O nome da subcultura dos Sapeurs do Congo vem da abreviatura 'La SAPE' (Société des Ambianceurs et des Personnes Elegantes, ou a Sociedade dos Formadores de opinião e Pessoas Elegantes). O primeiro ícone dos Sapeurs ou 'Grand Sapeur' foi André Matsoua, uma figura religiosa e política do Congo muito influente que, em 1922, ao voltar de Paris e para o espanto geral dos seus compatriotas (que se vestiam com trajes africanos tradicionais), tinha por hábito utilizar roupa de corte europeu, nomeadamente elegantes fatos franceses.
Embora o Dandaísmo faça parte da cultura congolesa à séculos, a SAPE como os congoleses (e agora todos vós) conhecem, só nasceu oficialmente quando Papa Wemba, uma estrela pop emergente na década de 1960, provocou a revolução de todo este estilo. Papa Wemba ficou conhecido como o La Pape de la Sape (ou o Pai do Sape) e tinha uma paixão louca pela moda francesa, fruto das suas várias viagens a Paris para espectáculos musicais.
Durante muito tempo, logo a seguir à descolonização Belga, o Congo esteve sobre um apertado regime ditatorial comandado por Mobutu (famoso pela sua preferência pelos padrões e peles tigrados) e qualquer associação com a cultura ocidental era severamente desaprovada (e punida). Papa Wemba tornou-se um simbolo visual de revolução, contra a privação económica e ditadura política. Papa Wemba (por ser conhecido internacionalmente) conseguia desafiar de uma forma um pouco mais visivel o regime de Mobutu, tendo criado a sua própria aldeia, onde manteve um conjunto de códigos morais com ênfase em elevados padrões de higiene pessoal. A higiene e o vestuário elegante eram condição para se ser um Sapeur, independentemente das diferenças sociais.
Código de conduta dos Sapeurs:
Um Sapeur deve ter conhecimentos de alfaiataria. As meias devem ter uma certa altura, um máximo de três cores podem ser usadas num outfit completo, e é necessário uma atenção especial aos detalhes. Eles consideram o seu estilo como uma arte, a arte de ser um cavalheiro. Ser um Sapeur não é apenas vestir bem, é também ter maneiras impecáveis.
Apesar de a maioria dos Sapeurs ter testemunhado, em primeira mão, toda a brutalidade e horror de três guerras civis, um Sapeur é uma pessoa não-violenta, é respeitoso e respeitável, e atencioso para com os outros. Um dos lemas mais importantes dos Sapeur diz algo como isto: "Vamos baixar as armas, vamos trabalhar e vestir-nos com elegância". As drogas estão completamente fora do estilo de vida de um Sapeur, o hábito de usar qualquer tipo de droga não se coaduna com o estilo de vida elegante para um Sapeur.
Mas nem tudo são rosas no mundo dos Sapeurs, e a realidade é bem dura. Na República Democrática do Congo, o rendimento médio anual ronda os 100 dóláres americanos, estão entre os mais baixos do mundo, de acordo com o Banco Mundial. Um Sapeur pode gastar tanto dinheiro num casaco importado de Itália, como poderia gastar na compra de uma casa na capital do Congo, Kinshasa.
Existe a história de um Sapeur que trabalhou cerca de oito meses num emprego a tempo parcial, apenas para ganhar o suficiente para um único outfit, um dos 30 outfits que possui. Este Sapeur nunca é visto com a mesma roupa duas vezes num mês. A realidade é ainda mais dura, se pensarmos que o mesmo, não vive de acordo com a filosofia Sapeur, é apenas uma imagem vazia que gosta de projetar. Ele deixou a sua ex-namorada com o seu filho de 5 anos de idade e vive com seus pais num pequeno quarto com um colchão.
Muitos, hoje em dia intitulam-se de Sapeur, mas não são mais do que uns pavões que querem ser vistosos para as festas e conseguir conquistar de uma forma mais simples as mulheres. Embora estejam no seu direito, trazem para o mundo dos Sapeur um estilo de vida que não é o 'tradicional'. Não é a roupa que nos faz ser Sapeur, a roupa é apenas a exteriorização do Sapeur interior.
Muito mais há para escrever sobre os Sapeurs e sobre o seu estilo de vida, ficará para outra vez.
Veja um pequeno documentário de 5 minutos apenas sobre os Sapeur
Outro documentário mais completo:
Veja também o video de Solange
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