terça-feira, 25 de outubro de 2016

MARY WEINSTEIN CHORA POR SALVADOR



Salvador está perdendo a personalidade, diz jornalista Mary Weinstein


GILSON JORGE
Blog O Cronista
20160929_220048-1

Nenhum jornalista empenhou-se tanto na defesa do patrimônio histórico de Salvador, nas últimas duas décadas, pelo menos, quanto Mary Weinstein, uma ex-dançarina clássica que começou a carreira de repórter no Caderno 2 de A TARDE, em 2001 e, dois anos depois estava se dedicando à preservação das pedras portuguesas, de edifícios históricos e de tradições culturais da Bahia, como o Candomblé.
Suas armas contra o avanço das modernizações urbanísticas sobre a velha São Salvador  eram o jornalismo e a abordagem direta a autoridades, quando tinha chance. Em  2008, durante uma caminhada pela orla encontrou Geddel Vieira Lima, então homem forte na administração de João Henrique Carneiro, candidato à reeleição, disparou sem cerimônias: “ô, vê lá se consegue preservar isso”, referindo-se à rampa na entrada do Forte de Santa Maria, na Barra. De fato, a rampa escapou à obra feita no bairro.
Mas não ficou incólume à reforma seguinte, iniciada ainda no primeiro ano de mandato do prefeito ACM Neto. Uma nova rampa com acesso para cadeirantes foi construída em seu lugar. “Acessibilidade é importante. Mas não precisava destruir a rampa”. A retirada da balaustrada histórica e da comunidade de pescadores que ficavam no entorno do forte também causaram protestos de Mary.
A jornalista chegou a procurar o Ministério da Cultura. “Eles admitiram que houve erro na liberação feita pelo Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), mas disseram que quanto os pescadores eram patrimônio imaterial e não estava na esfera do Iphan. Mas não dá para dissociar uma coisa da outra”. A defesa da cultura de pescadores na cidade de Dorival Caymmi foi narrada menos de dez minutos depois que Mary recusou uma moqueca do cardápio de um restaurante ao ser informada de que o peixe não era fresco.
Sobre a centenária balaustrada, Mary destaca que os equipamentos originais, descascados “por falta de manutenção”, foram substituídos por “um pastiche de balaustrada, que já está descascando”.
Mary reside atualmente em Vitória da Conquista, onde é professora universitária. Em suas andanças pelo antigo bairro, agora como turista, ela critica mudanças que foram feitas em um lugar “onde os moradores não caminham mais”.
Lembra da banca de revistas ao fim da Princesa Isabel, desembocando no Porto, que atrapalhava a vista para o mar, mas que era um ponto de referência para os moradores em um outro modo de vida . A banca saiu e a vista continua tapada, agora por viaturas da Transalvador e até um ônibus da polícia. “Não é possível que as autoridades não achem outro lugar para colocar esses automóveis. Que banheiros químicos estejam à beira-mar”
A sombra da modernidade que avança sobre o tradicional bairro de Mary tem ainda um gigantesco ícone ameaçador: O La Vue, torre de 24 andares que está sendo erguida na Ladeira da Barra, bem na vizinhança da Igreja de Santo Antonio da Barra, fundada no final do Século 17. O site do empreendimento indica que o primeiro andar vai ter a altura equivalente ao que seria o sexto pavimento, numa lógica que garanta a todos os moradores a vista para o mar.
Mas e o entorno? Mary afirma que o prejuízo urbanístico não se limita à mudança no frontispício da cidade e ao ataque frontal à “preexistência” do bairro. “Isso vai afetar a Barra como um todo”.
Mary afirma que as recentes aprovações do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) e da Lei de Ordenamento do Uso e da Ocupação do Solo (Louos) são apenas a exacerbação de uma tendência de autodestruição urbana que acomete a cidade já algum tempo.  “Salvador teve uma arquitetura profícua por muitas décadas, mas agora está perdendo a personalidade.  O Morro do Ipiranga, que tinha várias casas geniais de Diógenes Rebouças (arquiteto responsável por obras como o Hotel da Bahia e a antiga Fonte Nova), agora tem uns prédios que parecem aqueles transformers (série de filmes de ação).
Morro do Ipiranga20161013_092943
Mary não acha que Salvador esteja se Miamizando, como se costuma dizer em relação às mudanças urbanísticas da capital baiana. “Se a cidade estivesse imitando Miami, seria maravilhoso. Lá tem um conjunto de prédios art deco, que não é qualquer conjunto, é um conjuntão, que poderia ter desaparecido para dar lugar a prédios lucrativos, mas que está lá. Os prédios enormes foram construídos em outras partes”. O distrito de South Beach, em Miami, mantém cerca de 800 edificações no estilo art deco, erguidas entre 1935 e 1941, no Registro Nacional de Locais Históricos. “Miami é muito bacana”.
A jornalista que se especializou em defender o patrimônio histórico remarca que o descaso com os tesouros urbanos da cidade também é histórico e acredita que, na atual gestão, as agressões ocorram por decisões tomadas nos níveis inferiores da hierarquia municipal. “O prefeito é um homem culto, estudado, que conhece muitas cidades. Mas precisa andar mais por Salvador para ver o que é feito por seus assessores”.

Um comentário: