Aconteceu neste último mês de setembro, em Salvador. Tinha
marcado consulta para as 8:20 com um médico anestesista. E não é que abri a
porta do consultório às 8:20, “hora de relógio” ?!
Não me controlei. Comovido, agradeci,
confessando que era a primeira vez, em 40 anos, que um médico não me deixava
esperar pelo menos uma boa meia-hora. Sorridente, ele revelou a informação de
uma paciente: no Canadá também o horário agendado é escrupulosamente respeitado.
Em Portugal, na França, Inglaterra, Alemanha, Bélgica etc., raramente um paciente
espera mais de cinco minutos. Em contrapartida, quem chegou atrasado terá que
remarcar a consulta.
Perdi semanas de minha vida nas salas de espera de
hospitais hostis e clínicas cínicas.
Esperando a cardiologista, li Autoimperialismo de Benjamin Moser por
inteiro (125 páginas). Me atendeu com o celular colado ao ouvido. Na segunda
consulta, consegui ler 98 páginas de The
orientalist de Tom Reiss: ela chegou atrasada 40 minutos... e com o celular
grudado no cabelo.
Em 2013, o negócio sendo mais complicado, dois urologistas
me permitiram ler os dois livros de Juan Rulfo e Estas estórias de Guimarães Rosa (231 difíceis páginas). Urologista
nunca diz bom dia e só olha seu lado coroa. O lado cara, sua cara, nunca.
Durante
as longas esperas de radioterapia, mergulhei na Comédie Humaine. Li de cabo a rabo. Ultimamente, embarcando em novas
torturantes esperas, TV sempre ligada nos programas mais cretinos do hemisfério
sul, tentei navegar através das 1358 tediosas páginas de 2666 do chileno Roberto Bolaño. Mas, depois da página 605 – sem
ilustrações – cheguei à conclusão de que a ficção não me empolga.
Prefiro
história e biografias. Ilustrações sempre bem vindas.
Outra conclusão: a
relação médico/paciente é uma relação de força. O doutor, poderoso, atendendo
com folgado atraso, se coloca declaradamente acima dos inferiorizados doentes.
Fiel
retrato de nossa sociedade herdeira da casa grande e senzala.
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