sexta-feira, 21 de outubro de 2016

A LAVA-JATO DEVE...

...ir até o fim. 

Mesmo que leve ao fim do mundo

                                                           Leonardo Sakamoto


Tenho visto muita gente inteligente pedir o fim das investigações da Lava Jato, o fim das delações premiadas, o fim da prisão de empresários e políticos envolvidos em corrupção para que o país volte à ''estabilidade'' e encontre um ambiente ''favorável ao crescimento''.
Discordo. Faço coro com aqueles que pensam que o fio do novelo deve ir até o fim, doa a quem doer, atingindo lideranças políticas e econômicas, de todos os partidos envolvidos e não apenas em um ou outro. E venho dizendo isto neste espaço muito antes da Lava Jato existir. Uma presidente foi defenestrada. Que se defenestre outro baseado se forem apresentadas o mesmo tipo de ''provas'' apresentadas contra sua antecessora. Se a delação de um peixe grande, como Eduardo Cunha, representar o fim do mundo, que venha o meteoro.
Porque só assim o país terá uma chance de encontrar um ambiente favorável ao crescimento, não apenas de sua economia, mas também de sua democracia. Em que todos realmente serão iguais perante à lei, independentemente de sua política ser mais ou menos afinada com o mercado.
Momentos como este, mais do que uma catarse coletiva ou um show de pirotecnia, devem servir para darmos saltos como sociedade. Além de consolidar a proibição de doações de campanha por parte de empresas, seria fundamental avançarmos com a responsabilização criminal de pessoas jurídicas e não apenas de seus representantes. Num mundo em que o mercado insiste em garantir às empresas mais direitos que as pessoas, nada mais justo que elas possam ser criminalmente responsabilizadas como gente. Chega de princípios voluntários de direitos humanos empresariais! Que venham regras obrigando a empresas a serem responsáveis em termos de direitos fundamentais.
Temos que ir até o fim das investigações não apenas por conta dos crimes relacionados à corrupção, mas por todos os outros conectados a ele.
A suruba institucionalizada no poder público (do PT ao PSDB, passando sempre pelo eterno PMDB e congêneres) tem comprometido a qualidade de vida de milhões de brasileiros. Por exemplo, na construção civil, a vida em comunidades tradicionais em grandes obras de engenharia (rodovias, ferrovias, hidrelétricas e demais rolo-compressores feitos sem o devido planejamento e consulta pública), a dignidade de trabalhadores envolvidos na construção de casas, apartamentos e centros empresariais (trabalho escravo já foi encontrado no ''Minha Casa, Minha Vida'', do governo federal, e em obras da CDHU, do governo paulista), isso sem falar no fato de que a construção civil é um dos principais vetores do desmatamento da Amazônia (você acha que a madeira da floresta vira, preferencialmente, mesa de jantar na sala de europeu e não entra na construção do seu prédio? Sabe de nada, inocente).
Indignar-se com corrupção é fundamental, mas fácil. Quero ver é aproveitarmos esse momento para aplicarmos mecanismos a fim de combater a cesta de tragédias causadas pela liberdade dada dinheiro no Brasil. Que, executando uma visão messiânica de progresso elaborada pelo Estado em conjunto com o mercado, maltrata quem vive à margem dos direitos em nome do ''bem estar'' do restante da sociedade.
Desde sua fundação, o Brasil serve aos interesses de uma elite dominante, que sempre considerou o Estado uma continuidade de suas posses. Foi assim nas capitanias hereditárias, na época da Casa Grande das fazendas de cana-de-açúcar e café e para os coronéis do sertão e, hoje, aos da política e da comunicação.
Com a redemocratização na década de 80, aumentou o número de casos de corrupção que chegam ao conhecimento popular, seja por intermédio da mídia ou por instituições como o Ministério Público e o próprio poder Legislativo. Não porque, necessariamente, a coisa piorou, mas porque o acesso à informação melhorou. Essa grande quantidade de casos divulgados e a sensação (real) de que boa parte deles permanece impune foi levando a sociedade a perder a confiança no Estado e na política. Essa descrença somada aos exemplos históricos faz com que a população passe a acreditar, erroneamente, que a corrupção já está forjada em nossa nação e que não há nada a ser feito.
Mas quando a população perceber que governo e Justiça funcionam e que as instituições falham menos do que o aceitável, vai ser mais raro usar a parte ruim do chamado “jeitinho brasileiro” para conseguir ter uma reivindicação atendida de forma mais célere no dia a dia. Por exemplo, a implantação do Código de Defesa do Consumidor – um dos mais avançados do mundo – substituiu a necessidade de se ter uma boa relação com o comerciante para trocar um produto defeituoso por um suporte legal. O brasileiro percebeu que esse instrumento funcionava e passou a se utilizar das vias corretas para a solução dos seus problemas. A ação rápida de Procons e do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) também ajudaram nessa conscientização do consumidor.
Respeitamos as leis porque elas vêm acompanhadas de ameaças de sanções a quem transgredi-las. Para entender melhor, basta lembrar o que acontece no cotidiano. A população da cidade de São Paulo passou a utilizar o cinto de segurança não pelo fato de considerá-lo um item de segurança importante, mas pelo medo da multa. E se o retrocesso não baixar a partir de Primeiro de Janeiro, haverá tempo para entendermos que podemos ir mais devagar nas marginais que, mesmo assim, chegaremos em casa e, ainda por cima, salvaremos vidas.
Ao mesmo tempo, o papel fiscalizador da imprensa precisa ser aprimorado. É praticamente impossível que certos veículos de comunicação tragam à tona denúncias de corrupção uma vez que eles estão nas mãos das mesmas famílias que há décadas ditam os rumos da política. Isso acontece tanto no Nordeste (os Magalhães, na Bahia, os Sarney, no Maranhão, os Collor, em Alagoas) quanto no Sudeste. Isso se repete em certos veículos de alcance nacional também, é claro.
Por fim, a palavra nepotismo vem do latim ''nepote'', que significa neto ou sobrinho e ela começou a ser utilizada para designar os privilégios que os papas concediam a seus familiares. A prática de irmãos, primos, cunhados garantindo cargos públicos é rejeitada pela sociedade, mas é uma das expressões mais conhecidas da relação que a elite brasileira estabeleceu com o Estado.
Muitos parlamentares e governantes consideram normal colocar parentes em cargos que requerem confiança e dependem de nomeação.
A solução para o problema passa em reduzir o número de cargos de confiança, garantindo que o acesso a mais e mais funções se dê por concurso público, por mérito, e não indicação. Cria-se, dessa forma, um corpo burocrático permanente de qualidade, independente do poder de plantão. O atual governo federal prometeu que reduziria cargos de confiança, mas não cumpriu.
Só por curiosidade: em 2000, um deputado federal defendeu ''limitar'' o abuso, criando uma ''cota'' para o número de familiares que poderiam ser contratados como cargos de confiança no serviço público.''Poder contratar para as funções um ou dois parentes não é escandaloso'', afirmou.
Ele não é mais deputado.
Hoje é presidente da República.

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