Provavelmente,
no exato momento em que você está lendo este texto, um bando de utopistas
querendo mudar um pedacinho da mentalidade resignada desta sociedade - eu entre
outros - começa a se reunir debaixo da marquise do Cineteatro Jandaia. A
proposta é andar até outra marquise, lá na Praça Cairu, as duas tendo a mesma
caraterística: ameaçam cair acima da cabeça de incautos e sonhadores. Deixando
a Baixa dos Sapateiros, iremos pela ladeira do Taboão até a Cidade Baixa. Ainda
na parte alta poderemos admirar alguns interessantes imóveis art deco para,
logo após o velho elevador enferrujado, mergulhar na realidade trágica do mais
total abandono de nosso patrimônio, visão surreal de escoramentos metálicos colocados
há mais de vinte anos para sustentar fachadas que mascam mais e mais ruínas.
Provas gritantes da omissão criminosa de nossas instituições sejam elas
municipais, estaduais ou federais.
E Salvador
pretendeu, certa vez, ser destino de turismo?
Para quem,
como eu, conheceu o Comércio pungente de vida, vagar por ruas hoje desertas,
bancos fechados, lojas abandonadas, casarões seculares destelhados, sobras de
incêndios, passeios esburacados, é como assistir a um deprimente filme
futurista. Só faltam a fumaça, o maremoto e o grito do último ser humano.
Iremos
observando, fotografando – os escombros são sempre tão fotogénicos! – e lamentando
tantas oportunidades perdidas por autoridades incompetentes. Elas preferem
organizar efêmeros seminários internacionais, mesas redondas com ar
condicionado e cafezinho. Convidam especialistas regiamente pagos e devidamente
hospedados fora do centro histórico, elaboram complexos planos de reabilitação,
até chegar o tempo de novas eleições e engavetamento de qualquer veleidade.
Este filme já vimos tantas vezes! Vivemos o longo, interminável inverno da
mediocridade.
Por trás da
Salvador das propagandas para inglês e italiano verem, existe uma cidade
invisível, como no livro de Ítalo Calvino. Invisível para “eles”. Porque nós,
os utopistas, temos olhos de cirurgiões. Enxergamos esta cidade outrora esplêndida
e hoje desolada, esta cidade que perdeu a força de protestar e até de chorar.
Alguns de
nós levarão talvez um cartaz. Uma banda, quem sabe, nos acompanhe. Quantos
serão? Uma magra dúzia ou centenas de
apaixonados por tão justa causa?
Chegando à
marquise do sobrado azulejado da Praça Cairu, deveremos abraçá-lo antes de
atravessar a mesma praça e lamentar a criminosa destruição da banca de
repentistas e cordelistas.
Mudará a
face do mundo? Claro que não. Nem mesmo da esquina da rua Portugal. Mas, pelo
menos uma parcela significativa da sociedade terá clamado seu repúdio à atitude
analfabeta de nossos governantes.
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