sexta-feira, 5 de maio de 2017

O LONGO INVERNO DA MEDIOCRIDADE


Provavelmente, no exato momento em que você está lendo este texto, um bando de utopistas querendo mudar um pedacinho da mentalidade resignada desta sociedade - eu entre outros - começa a se reunir debaixo da marquise do Cineteatro Jandaia. A proposta é andar até outra marquise, lá na Praça Cairu, as duas tendo a mesma caraterística: ameaçam cair acima da cabeça de incautos e sonhadores. Deixando a Baixa dos Sapateiros, iremos pela ladeira do Taboão até a Cidade Baixa. Ainda na parte alta poderemos admirar alguns interessantes imóveis art deco para, logo após o velho elevador enferrujado, mergulhar na realidade trágica do mais total abandono de nosso patrimônio, visão surreal de escoramentos metálicos colocados há mais de vinte anos para sustentar fachadas que mascam mais e mais ruínas. Provas gritantes da omissão criminosa de nossas instituições sejam elas municipais, estaduais ou federais.
E Salvador pretendeu, certa vez, ser destino de turismo?
Para quem, como eu, conheceu o Comércio pungente de vida, vagar por ruas hoje desertas, bancos fechados, lojas abandonadas, casarões seculares destelhados, sobras de incêndios, passeios esburacados, é como assistir a um deprimente filme futurista. Só faltam a fumaça, o maremoto e o grito do último ser humano.
Iremos observando, fotografando – os escombros são sempre tão fotogénicos! – e lamentando tantas oportunidades perdidas por autoridades incompetentes. Elas preferem organizar efêmeros seminários internacionais, mesas redondas com ar condicionado e cafezinho. Convidam especialistas regiamente pagos e devidamente hospedados fora do centro histórico, elaboram complexos planos de reabilitação, até chegar o tempo de novas eleições e engavetamento de qualquer veleidade. Este filme já vimos tantas vezes! Vivemos o longo, interminável inverno da mediocridade.
Por trás da Salvador das propagandas para inglês e italiano verem, existe uma cidade invisível, como no livro de Ítalo Calvino. Invisível para “eles”. Porque nós, os utopistas, temos olhos de cirurgiões. Enxergamos esta cidade outrora esplêndida e hoje desolada, esta cidade que perdeu a força de protestar e até de chorar.
Alguns de nós levarão talvez um cartaz. Uma banda, quem sabe, nos acompanhe. Quantos serão?  Uma magra dúzia ou centenas de apaixonados por tão justa causa?
Chegando à marquise do sobrado azulejado da Praça Cairu, deveremos abraçá-lo antes de atravessar a mesma praça e lamentar a criminosa destruição da banca de repentistas e cordelistas.

Mudará a face do mundo? Claro que não. Nem mesmo da esquina da rua Portugal. Mas, pelo menos uma parcela significativa da sociedade terá clamado seu repúdio à atitude analfabeta de nossos governantes. 

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