Quanto vale um castelo, uma igreja ou uma fortaleza?
Um novo estudo sobre o património cultural vem dar munições às autarquias para ativarem os seus potenciais locais
S e olharmos para o mapa de Portugal com atenção, vemos facilmente que a distribuição do património cultural edificado está muito equilibrada. Com o fluxo de turismo que já se aproxima do excesso em Lisboa e no Porto, porque não aproveitar este recurso em todo o país? A ideia parece óbvia mas não se põe mãos à obra sem primeiro estudar o terreno.
É o que uma equipa formada por técnicos da sociedade civil está a fazer desde janeiro e se propõe finalizar em dezembro. Em torno do projeto está José Tavares, da Nova School of Business & Economics, Catarina Valença Gonçalves, da empresa Spira, e José Maria Lobo de Carvalho, do Observatório do Património, apoiados pela Fundação Millennium BCP. O Expresso conversou com eles no dia em que se comemoram os monumentos e sítios a nível europeu e ficou a saber que o potencial económico e social de cada castelo português, por exemplo, pode criar dinâmicas a nível do emprego, da receita e do fluxo turístico.
“O património cultural raramente é visto como um ativo estratégico do ponto de vista do desenvolvimento económico e social. Nunca foi feito um levantamento do que existe e muito menos foi feita uma análise do que isso pode significar”, diz Catarina Valença Gonçalves. E é por aí que o estudo que este sábado está a ser apresentado ao público vai começar a ser feito. Um levantamento exaustivo das igrejas, capelas, túmulos, sítios arqueológicos, castelos, fortalezas, e por aí fora, que existem de norte a sul do país e que têm o seu valor simbólico por analisar e o seu verdadeiro potencial económico por aferir.
CARACTERIZAR A GESTÃO
Será ainda levado a cabo um inquérito com vista a identificar uma base de cerca de 350 elementos do parque patrimonial, que, pelo número de visitantes, empregos associados e receitas diretas, permita qualificar um número de visitantes para cada concelho do país de forma mais correta.
Além disso, depois de feito esse inquérito, será realizada a caracterização do sistema de gestão em uso pela Direção-Geral do Património Cultural, a entidade estatal que gere o património, e para as políticas culturais nesta área dos últimos 44 anos (a idade da democracia). “A ideia é fazer recomendações estratégicas para o sector com base numa análise crítica dos números, comparar o nosso sistema de gestão com outros modelos, perceber o que funciona ou não e o que é possível fazer cá”, continua Catarina, numa clara abertura a outros casos europeus.
Esta abordagem nacional, que pela primeira vez inclui as ilhas, é uma espécie de “começar de novo”, apoiado na premissa de que todos os territórios são iguais e de que é preciso “olhar para o que temos” para a partir daí recriar dinâmicas locais.
Portugal tem uma das mais baixas taxas europeias de visitantes nacionais a monumentos e museus, estimando-se que cada estrangeiro que veio a Portugal em 2017 (um número que se aproxima dos 12,6 milhões) tenha visitado, em média, um monumento durante a sua estada, sendo o património cultural, amiúde, a principal motivação da sua vinda a Portugal.
30 mil bens patrimoniais
30 mil bens patrimoniais
Porém, existem 4300 imóveis classificados — 15 detêm a classificação da UNESCO de Património da Humanidade — e 30 mil bens patrimoniais imóveis inventariados, lista a que acresce o património imaterial já classificado também pela UNESCO: chocalhos e olaria preta de Bisalhães, cante alentejano, fado e bonecos de Estremoz, e ainda, em conjunto com outros países, a dieta mediterrânica e a falcoaria. “Apesar disso, quando falamos em monumentos mais visitados, falamos sempre dos mesmos dez, aqueles cujo investimento turístico é mais forte, aonde os meios de transporte mais chegam, onde existem mais agentes económicos, mais hotelaria e mais operadoras”, explica José Tavares. Um exemplo: há três milhões de visitantes nos Parques de Sintra, um fluxo excessivamente orientado para os mesmos locais. “A assimetria económica não corresponde à assimetria patrimonial”, adianta. Outro exemplo: a Rota do Românico, em Lousada, que compreende 12 municípios e mais de 30 monumentos. A articulação entre eles teve como resultado o sucesso do número de visitantes, êxito na educação patrimonial, recuperação e criação de emprego.
O propósito deste estudo é olhar também para os 308 concelhos nacionais e perceber quantos mosteiros ou igrejas existem per capita, ou seja, que “ativos patrimoniais há por habitante”. “Este é o melhor negócio que podemos ter”, diz Catarina Valença Gonçalves. “A infraestrutura já lá está, é só preciso animá-la. Só nos cabe aplicar o nosso conhecimento para saber como animá-la e usá-la. Até as autoestradas já existem!”.
Depois de fechada a análise a nível nacional, proceder-se-á ao cruzamento de dados com os existentes nas entidades públicas como a DGPC, o INE, e o monumentos.pt e ver se há incongruências. Tudo isto envolve dados geográficos, demográficos, descrição, localização e distâncias entre monumentos. No entanto, a base para inferir o valor económico e social do património cultural é deduzida a partir de três grandes fatores associados: o emprego gerado, a receita (de bilheteira) e o número de visitantes de cada monumento. “Cruzando todos os dados podemos determinar quais são os fatores mais importantes para cada município”, avança José Maria Lobo de Carvalho.
O passo seguinte é descrever o modelo de gestão que existe e propor o modelo que maior rentabilidade dá. A isto chamam os criadores do estudo “potenciar o impacto económico e social do património cultural”. Uma metodologia que vai pela primeira vez ser aplicada. “Os dados são para ser interpretados através do princípio da história e técnicas estatísticas para inferir qual é o potencial valor, gerar uma estimativa município a município, para que os atores políticos e privados possam dizer o que vão fazer a mais. O objetivo é ser um catalisador”, explica José Tavares.
ATIVAR O INTERIOR
O retrato à escala nacional tem objetivos táticos e estratégicos: avaliar o potencial de distribuição do tráfego turístico, nomeadamente para o interior do país — potencial esse que ainda não foi nem avaliado nem devidamente explorado —, contribuindo, desta forma, para que o património cultural seja reconhecido como parte integrante da agenda estratégica económica e social do país.
Note-se que são poucos ou nulos os intervenientes privados na gestão do património cultural português, representando este a maior fatia do OE para a Cultura e executando-se principalmente em obra física nos monumentos, esquecendo-se quase sempre a fruição do mesmo.
Nas suas recomendações estratégicas, de resto, os elementos que realizam o estudo propõem avaliar a criação de modelos de parcerias interinstituições a nível nacional e regional, a criação também de modelos de parcerias público-privadas e a concretização de uma nova mecânica de financiamento dos recursos considerados ativos estratégicos, que conte já com o apoio do Turismo 2027 e do Portugal 2020 e futuro quadro comunitário.
O estudo não deixa de lado a vontade de mostrar a capacidade dos vários territórios de fixar gente, apresentando-se como um caminho para a sustentabilidade e regeneração do interior e “para uma nova abordagem às políticas dessa região”.
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