segunda-feira, 23 de julho de 2018

A DESESPERANÇA BRASILEIRA

A desesperança brasileira encontrou casa em Portugal


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Fogem da violência, da crise política e social, de um futuro que parece impossível. Cada vez mais brasileiros cruzam o oceano e criam raízes em Portugal. As motivações, a dor de dizer adeus, os desafios e os possíveis tropeções de uma vida de imigrante.
A decisão veio empurrada por um país à beira do precipício. Por causa dele, ou apesar dele. O desejo de cruzar fronteiras estava até inscrito numa espécie de lista mental de ambições a cumprir um dia — mas talvez não ganhasse vida tão cedo sem esse Brasil em colapso político, económico, social. Mergulhado num vazio de futuro. “A crise maior é a desesperança. A gente não tem esperança numa recuperação a médio prazo”, diz Paula Oliveira, tom de voz entristecido. “O que se ouve é: não vou viver tempo suficiente para ver o Brasil recuperar”, conta numa conversa telefónica, a manhã ainda há pouco saída da madrugada no lado de lá do Oceano Atlântico e já ensolarada em território luso. Se tudo correr como Paula e o marido Rafael Lima Joia anseiam, o casal e a filha Beatriz, de três anos, vão integrar, no primeiro trimestre do próximo ano, as estatísticas de brasileiros a abandonar o país. E a escolher Portugal como nova casa.
A imigração brasileira não é tema novo. Desde os anos 80 que a travessia acontece tendo Portugal como destino, com maior ou menor fluxo. Numa linha de tempo mais recente, viu-se a crise portuguesa a fazer brasileiros regressar ao seu país, primeiro, e a crise brasileira a fazê-los sair de novo, depois. Em 2017, eram 85.426 os que por cá tinham morada, fazendo dos “canarinhos” a maior comunidade estrangeira residente em Portugal. Os números são do Relatório de Imigração, Fronteiras e Asilo, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), e falam de um crescimento de 5,1% em relação a 2016. Em Lisboa e no Porto, são já os brasileiros quem domina o mercado de compra de casa por estrangeiros(representam 19% do total de compras a nível nacional, segundo dados de 2017 da Associação dos Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária de Portugal). “Chegamos a uma fase da vida em que queremos ter mais segurança e qualidade de vida. E achamos que Portugal nos dará isso”, diz Rafael, a sublinhar o sobrenome Lima, prova da ligação genética a Portugal.
Estava o ano passado a dobrar e Júlio Morais aterrava em Lisboa. Desta vez para ficar. Tinha feito a mesma viagem por duas vezes na pele de turista e sentido desde o primeiro momento que aquela podia ser a sua casa. Há cerca de ano e meio, a ideia começou a invadir “mais fortemente” a sua cabeça: “Comecei a procurar um jeito de viabilizar a minha saída do Brasil.” Motivação maior: fuga da violência. “Já não podia sair de casa tranquilo. Sempre que saía, mesmo de carro, vivia olhando à minha volta, de portas trancadas. À noite, era já impensável.” Músico, cantor e compositor natural de Recife, Júlio Morais sabia não estar a dar o passo mais prudente do ponto de vista profissional: “Portugal não é óbvio para ganhar dinheiro. O Canadá, por exemplo, seria melhor.” Mas o resto pesava mais.
O resto era a língua partilhada, a cultura semelhante, um clima que lhe soava amigável. Acesso mais fácil à educação e à saúde. E a possibilidade de viver sem medo.
“É impagável essa sensação”, atesta a pernambucana Yone da Fonte, em Portugal há menos de um ano, ao tentar relatar o mesmo sentimento e rendida à falta de palavras capazes de o explicar: “Não sei descrever a sensação de poder andar na rua tranquila, sem medo.”

Números não pararam de crescer

Pedro Góis, sociólogo e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, anda há vários anos a estudar as relações entre os dois países. Desde 2009, altura em que publicou um trabalho focado nas características desta imigração, o investigador tem notado alterações no perfil de quem vem para Portugal. Até esse ano, os imigrantes eram sobretudo ligados ao mercado de trabalho — “os muito qualificados, que desde os anos 80, com a chegada dos dentistas, foram chegando e alterando as profissões; e os menos qualificados, que vinham sobretudo para a construção civil, limpezas, trabalho no shopping”. Com a crise lusa a ganhar dimensão, houve um regresso a casa dessas pessoas. E agora que Portugal ganhou fôlego e o Brasil vive sem ele, essa “migração laboral voltou”.
Mas não exactamente igual. Aos perfis já falados, Pedro Góis junta mais dois: os estudantes, um “grupo que está a crescer muito” (dados governamentais apontam para 13.785 alunos inscritos), e os “estrangeiros residentes, que mudam a sua vida por razões económicas” (e onde se incluem os chamados vistos gold).

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