Por: Redação do Diário Causa Operária
O dia 15 de fevereiro de 2021 tornou-se um dos dias mais tristes da história da Bahia. O governo do Estado encerrou a operação da linha férrea que cruzava o subúrbio de Salvador para dar lugar à construção de um monotrilho, caro e que não atenderá à população.
O Trem do Subúrbio é uma das maiores riquezas culturais da capital baiana e que tem grande valor histórico, cultural e econômico especialmente para a população mais pobre de Salvador. O sucateamento e a privatização do Trem do Subúrbio significam uma tragédia para o povo de Salvador e da Bahia.
Raimundo Birro, morador de Mapele, em Simões Filho, região metropolitana de Salvador, afirma que “com essa parada desse trem aí, não está ofendendo só o Subúrbio, está ofendendo a região metropolitana e o Recôncavo, a Bahia toda.”
A população baiana, já bastante empobrecida, perderá seu sustento, sua cultura e sua história.
O fim do Trem e a farsa do monotrilho
Apesar do Trem do Subúrbio ter uma importância histórica, econômica e cultural para a população de Salvador, de fato, são necessárias reformas e melhorias tecnológicas para melhorar a qualidade dos serviços prestados à população.
Por isso, o governo do Estado da Bahia propôs substituir os trens por VLTs (veículo leve sobre trilho). Até aí, tudo bem. Os VLTs utilizam, assim como os trens, a malha férrea.
Assim, abriu-se uma licitação para a implementação do VLT. Deste modo, seria possível até expandir a malha férrea até o Recôncavo Baiano, ligando diversas cidades da região metropolitana de Salvador, como Alagoinhas, Feira de Santana, Camaçari, Simões Filho e Dias D’Ávila. Seria aberta até mesmo a possibilidade de levar os trens mais uma vez até Juazeiro, no norte do estado.
Entretanto, o que ocorreu foi justamente o contrário. A licitação feita para o VLT foi completamente subvertida. O edital permitia também a implementação de “VLT ou similares”.
Devido à Lava Jato, que dizimou boa parte das empresas nacionais, a licitação para a construção do VLT teve apenas uma concorrente, a chinesa China Tiesiju Civil Engineering (CTCE). Entretanto, esta empresa não possui know-how algum sobre VLTs, mas outro tipo de modal, o monotrilho.
Através de intenso imposição, especialmente de Bruno Dauster, ex-secretário da Casa Civil do Estado da Bahia, e pouquíssima discussão com a comunidade, o governo do Estado impôs a implementação do monotrilho, apesar da constante oposição da comunidade do Subúrbio Ferroviário e de movimentos sociais.
Gilson Vieira, do Movimento Ver de Trem, denunciou a este Diário que o governador e seus secretários nunca atenderam as entidades em defesa do trem. No máximo, destacaram um chefe de gabinete para ouvi-los.
Gilbert Bahia, também do Ver de Trem, também denunciou que “as audiências públicas foram todas orquestradas”. Nelas estavam presentes diversos elementos que apenas diziam “amém” ao que era proposto pelo governo.
Bruno Dauster é ex-diretor de Desenvolvimento da empreiteira baiana OAS. Sua função no governo da Bahia era claramente de agir em prol dos capitalistas, salvaguardando seus interesses sobre os da população nas chamadas obras ‘GG’ do governo.
Dauster foi, em 2020, pivô do escândalo dos respiradores mecânicos comprados pelo Consórcio Nordeste, mas que nunca chegaram. Devido à repercussão do caso, Dauster pediu exoneração do seu cargo como Chefe da Casa Civil.
Com uso de muita malandragem, o governo do Estado mudou o significado de VLT de veículo leve sobre trilhos para veículo leve de transporte. Uma total fraude. Ainda mais que o monotrilho não se encaixa propriamente nem na definição de veículo leve.
O problema do monotrilho não está em simplesmente ser um modal diferente, mas ser um modal caro e muito ineficiente.
O arquiteto e urbanista, Carlos Alberto Querino, considera que “são absurdos utilizar Monotrilhos ou qualquer tecnologia similar seja aeromóveis ou teleféricos tanto no traçado do trem como no traçado da Avenida Dr. Afrânio Peixoto(Av. Suburbana). Na Afrânio Peixoto sempre vimos o Sistema Troleibus o mais indicado nas simulações. Lembremos que hoje o Centro Histórico de Salvador ficou gradualmente em penúria com a extinção dos bondes fins de 1960, erro imperdoável até hoje não foi corrigido, quem assim proceder, estará resgatando a história. A solução objetiva é a volta da tecnologia de guias fixas por Bondes Modernos (VLTs) no Centro Histórico e em alguns corredores com linhas diametrais e circulares.”
Diferentemente dos trens e outros veículos que andam sobre trilhos, o monotrilho, apesar do nome, roda sobre pneu. Portanto, para construção do mesmo será necessário destruir toda a malha férrea, gerando custos adicionais e fortes impactos ambiental, social e econômico.
Outro ponto contra o monotrilho é que ele roda sobre elevados e não no chão. Assim, é necessário o uso de grandes quantidades de concreto para construção dos elevados.
Além disso, toda tecnologia dos monotrilhos é proprietária. Deste modo, se a empresa CTCE falir ou simplesmente quebrar o contrato, toda obra do monotrilho deverá ser demolida, pois os equipamentos de outras empresas não conseguirão utilizar a estrutura montada para a tecnologia da CTCE.
O contrato do governo do Estado com o Consórcio Skyrail Bahia também é uma verdadeira aberração. Primeiro pelo tempo, pois ele durará 35 anos. Neste tempo, a própria tecnologia do monotrilho, que já é pouco eficiente, tenderá a se tornar completamente obsoleta.
Também deve ser dito que o governo do Estado, no contrato, garantirá, ao menos 170 mil passagens por dia. Isto quer dizer que, se 70 mil pessoas utilizarem o monotrilho em um dia, o governo deverá custear 100 mil passagens naquele dia. Utilizando o preço de R$4,20 por passagem, isto significaria o custo R$420 mil em um único dia.
O próprio governo do Estado contratou um estudo de viabilidade para o monotrilho e foi constatado que ele só atingirá 120 mil usuários por dia, seguindo o projeto atual, em 2038. Até lá, o governo do Estado desembolsará enormes quantias para sustentar este elefante branco.
Segundo Gilbert Bahia, uma das justificativas apresentadas pelo governo para utilizar o monotrilho ao invés do VLT foi que o segundo não suportaria 120 mil usuários por dia.
Este argumento do governo é uma meia verdade. Afinal, este número só será atingido daqui a quase 20 anos. Até lá, é previsível que a economia e a geografia da cidade já tenham mudado drasticamente. A tecnologia férrea também evoluirá, possibilitando que acompanhe o crescimento da mudança.
Carlos Alberto Querino, entende que o modelo estabelecido não é favorável nem aos chineses. “…a compreensão que tenho é que ninguém sairá ganhando, nem mesmo o consórcio chinês na configuração apresentada, apenas há um valor para cobrir a operação que programaram”, afirma.
Conhecendo o histórico das licitações brasileiras, não seria absurdo especular que, dentro de algum tempo o próprio Consórcio queira renegociar o contrato.
O argumento de Querino é bastante verdadeiro. O Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que emprestaria o dinheiro para a construção do monotrilho, não viu a viabilidade técnica do projeto. O governo do Estado foi obrigado a recorrer ao Banco do Brasil. Para isso, na calada da noite, inventou um projeto de lei na Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA), que permitiu ao governo tomar o empréstimo junto ao Banco do Brasil. O projeto foi aprovado pela maioria governista da casa. Em outras palavras, um empréstimo, que deveria ter sua legitimidade dada por aspectos técnicos foi aprovado por mera politicagem.
Segundo Gilbert Bahia, o empréstimo aprovado pela ALBA será usado para destruir o Trem. São 22km de linha férrea, fazendo com que o desmonte da mesma seja de um valor absurdo.
A destruição da linha atrai diversos interesses, como também denuncia Gilbert. Ele afirma que há grande interesse em pegar os materiais da linha férrea e vender para o ferro velho.
Para Carlos Alberto Querino, a solução mais viável ainda é a ferrovia. Todavia, ressalta “que as linhas ferroviárias sempre foram deficitárias, em todo mundo, a prática de subsídio cruzado é o que mantém todos os Sistemas, a revitalização da Ferrovia com o shopping móvel nas linhas de longo curso e serviços de bordo nas linhas de médio e curto curso que concebemos e apresentamos num sistema básico em 18 de setembro de 2018 com humildade são nossas convicções. Com a ferrovia, fortalecemos o Porto de Salvador nas cargas gerais e conteineiras, no Hub Salvador, o turismo e, vinculada à Estação de Coutos, numa Balsa Auto Propulsora, como ‘Hub Port Nacional’ revitalização do Sistema de Hidroaviões ou de aeronaves mistas.”
Um estudo técnico, cedido ao Diário da Causa Operária pelo Movimento Ver de Trem, comparando o VLT e o monotrilho, calculou que revitalização, modernização e expansão do Trem do Subúrbio para o Comércio e Ilha de São João custaria 1,3 bilhão de reais. Já o monotrilho custará por volta de 2,5 bilhões de reais, um valor bastante maior que 1,5 bilhão o propagandeado pelo governo do Estado.
Marivaldo Neves, do Movimento Trem de Ferro declarou que “de maneira imediatista e de forma insustentável, as empresas de ônibus que ganharam mais passageiros cativos em função da falta de opção de transportes para a população do Subúrbio Ferroviário. Ganham as transportadoras articuladas com a VLI [empresa que administra a Ferrovia Centro-Atlântica há mais de 20 anos] que cativa transportadores pequenos para servir aos interesses da empresas assegurando que seus grandes navios não sofrerão concorrência de pequenos usuários que demandassem ao Porto de Salvador pela ferrovia e utilizassem pequenos navios da concorrência. Ganham também os representantes das vendedoras de cimento e aço para construção, pois o absurdo projeto que o Governo está impondo à sociedade com a destruição da ferrovia vai consumir muito cimento e serviço de grandes empreiteiros para a construção de estruturas de concreto desnecessárias se o projeto original do Veiculo Leve sobre Trilhos fosse executado conforme debatido com a sociedade.”
A promotora Hortência Pinho Gomes, que foi responsável por derrubar todas as teses “técnicas” do governo do Estado para implementação do monotrilho foi afastada do processo em uma clara interferência do governo Rui Costa sobre a justiça. Tanto o promotor que a substituiu quanto o juiz da 7ª Vara Pública que julgaria o processo tiraram férias, deixando o Estado livre para entregar o Trem aos capitalistas.
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