sexta-feira, 19 de março de 2021

MEUS VIZINHOS NO JORNAL

 


Quantos anos minhas mal traçadas são publicadas n´A Tarde? Dez, quinze anos... Mais? Perdi a conta. Logo que acabar o tempo de roleta russa que estamos vivendo, minha preciosa Cecília, bibliotecária/arquivista, ao me conceder novamente – assim espero -  três manhãs por semana, saberá consultar a pasta idônea para responder. Mas pelos meus palpites já deve andar na faixa das quinhentas ou mais crônicas. Muitas fracas, algumas melhores, mas nada que se possa comparar aos escritos de Katherine Mansfield ou William Saroyan, os modelos de meus vinte anos ou, mais recentemente, ao saborosíssimo Fernando Sabino.

Entre os incontornáveis do jornal, além dos hors-concours Levi Vasconcelos e Armando Avena, sou freguês assíduo de boa meia dúzia de vizinhos das páginas de “Opinião”. Não vou listar para não criar desconforto. Já tenho dose suficiente de desafetos, não preciso de mais nenhum. Vez ou outra permito-me escrever para algum colega cronista, sempre no elogio. Raramente recebo resposta. Mas afinal quem sou eu, hein?

Em contrapartida, faço questão de responder aos eventuais leitores que têm a pachorra de apoiar minhas divagações. Também não se trata do correio da Madonna. Se receber duas ou três mensagens após cada publicação, fico super-lisonjeado.

A exceção é com o secretário de Cultura e Esporte de Paulo Afonso, Jânio Ferreira Soares, cujos textos já curtia muito antes de ser colega de jornal. Não que tenhamos uma correspondência digna de ser eternizada como as de Joaquim Nabuco e Machado de Assis ou Vincent Van Gogh e o irmão Theo. Poucas palavras, bem no estilo internet, mas que, pelo menos para mim, são sempre um sólido incentivo.

A gente se corresponde tem uns vinte anos, irregularmente, mas como velhos amigos para quem distância e tempo não conseguem cavar fosso. Deste senhor, de quem nunca vi nem carnes nem ossos, só sei que tem mais cabelo que eu e menos anos. Imagino que deve morar num sítio nos aforas da cidade. Uma casa térrea, grande e simples. Avarandada. Algumas galinhas, um cão, duas redes, uma sala repleta de livros. Computador. Muitos CDs. Perfumes tentadores escapando da cozinha. Crianças correndo, uma mangueira carregada e goiabeiras à espera de alguma aparição divina. Não desanime, amigo Jânio. Apesar desta era apocalíptica de ateísmo, um dia verás brilhar uma bela garrafa de Lácrima Christi ou um pacotinho de barriguinhas das freiras de Santa Clara de Évora. Só não posso prometer Jesus de cabelo lavado, sandálias de dedão e mortalha azul de algodão egípcio 100%.

O maior milagre por enquanto é poder continuar a escrever, ler e sonhar que as noites de obscurantismo que estamos atravessando desde janeiro 2019 acabem muito antes do fim de 2022.

                                                                                       Dimitri Ganzelevitch                                                                                                                   A Tarde                                                                   Sábado 20 de março de 2021 

4 comentários:

  1. Suas crônicas são deliciosas Dimitri Ganzelevitch, houvesse mais cronistas parecidos teríamos certamente de comprar o jornal onde eles publicam para sentir o sabor de nossa língua ao seu natural; a flor do Lácio bem empregada, abraço,

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  2. muito lindo seu texto. Abriu a janela do coração e fez o ar da tarde entrar com doçura, cheiro de terra e esperança de dias melhores. Obrigada! Lucia

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  3. Parabéns pelo belo texto. E que bela amizade, que mesmo distante mostra que os novos tempos já não nos separam.

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  4. Excelente produtor de borrões [assim são todos os textos, ao final de tudo]. A sua vasta bagagem cultural conta nessas horas. Tomara que esteja escrevendo a sua biografia, certamente cheia de aventuras mundo a fora. Parabéns.

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