Uma semana de tanto luto precisa terminar com luta. Precisa.
GERALDO BRAGA DA CUNHA é pastor da Assembleia de Deus em Mossoró (RN). Homem generoso, ele e sua esposa, com a intenção de ajudar, de combater a desigualdade, resolveram levar para casa, para ser tratada "como da família", uma menina de 16 anos.
A menina, tratada como da família, fazia trabalhos domésticos e foi babá dos quatro filhos do casal de servos do Senhor. Então a menina "encorpou", "tornou-se mulher", e o servo do Altíssimo sentiu-se tentado, "porque a carne é fraca".
Então ela foi abusada sexualmente por ele repetidas vezes. Na verdade, com altos níveis de santificação, o pastor Geraldo a estuprava, mas era "em nome de Jesus". Todo mundo sabia, mas ninguém sabia. Foram 32 anos escravizada pelo irmão Geraldo, pastor da Assembleia de Deus.
Somente em 2021, foram 1.937 alforrias no país. Foi um caso isolado. Um caso de escravidão culposa, sem a intenção de escravizar. Abraão, o herói bíblico do Velho Testamento, também tinha escravas. Também estuprava suas escravas. Sara, a esposa, sabia. Inclusive quando se sentiu incapaz de dar um filho a Abraão, ela mandou que ele transasse com Agar, escrava egípcia, portanto, africana. Sara também se sentia dona do corpo de Agar.
Oras bolas, se o santo homem Abraão podia, porque o santo pastor Geraldo, da Assembleia de Deus, não poderia?
O presidente da república já pediu ao congresso uma revisão do conceito de "trabalho análogo à escravidão ". Ele acha um absurdo que os escravagistas sejam expostos.
Logo depois nos chocamos com o assassinato de Moíse, o menino congolês. Foi uma surra culposa, sem intenção de matar. Tanto a intenção era boa que se faz uma cena para as câmeras tentando reanimar o rapaz. Somente um dos agressores deu 30 pauladas culposas.
O dono do Tropicália tem sido tão bacana, que até disponibilizou, generosamente, as imagens das câmeras para os colegas policiais.
Ele teria dado uma ordem culposa, sem intenção de assassinar, a uns colaboradores, que perderam a mão e espancaram o rapaz até a morte, mas sem a intenção de matar.
A polícia foi chamada e não teve pressa. A Guarda Municipal sequer chegou perto, embora avisada. A vítima era preta. Não há pressa nas ocorrências em que quem apanha é preto. É preciso dar tempo para que os assassinos terminem o que a própria polícia gostaria de fazer.
No mesmo Rio de Janeiro, uma mãe, com seu filho no carro, erra uma entrada para a av. Brasil e entra para a Cidade Alta. Poucos metros e um tiro de fuzil atinge o seu menino dentro do carro, na cabeça. A milícia é a polícia em dias de folga protegida pela polícia de plantão. Não há interesse em acabar com milícias. Os negócios vão tão bem, que a milícia já aluga comunidades para o tráfico. É narcomilícia. É narcopolícia. É droga transportada pela FAB. É arma fornecida pelos CACs para o tráfico.
Ontem, foi o Durval, assassinado por um vizinho militar da marinha. O vizinho, de pele alva, não resistiu a pele alvo de Durval e disparou. Que outra função tem os militares brasileiros das três forças que não seja matar o seu próprio povo e garantir salário eterno para suas filhas? Que outra função social essa gente tem?
Nossa última guerra foi contra o Paraguai. Já faz um tempinho. E foi uma guerra covarde. O militar estava com a visão comprometida porque estava dentro do carro com vidros escuros. Só deu para ver o que precisava ser visto: a cor da pele de Durval. Bastou.
O quiosque Tropicália continua intacto; a casa do vizinho assassino continua intacta; a casa do pastor Geraldo e sua igreja seguem intactas. As famílias estão destruídas de dor. Os protestos de amanhã "precisam ser pacíficos", alertam as autoridades e as pessoas certinhas e fofinhas. Os agressores nunca são pacíficos, por isso agressores. Mas as vítimas e quem as defende precisam ser. Não tá dando certo. A luta precisa ter a força do luto, a raiva do luto, a perda do luto.
Isaac Machado de Moura(Batista)
Nenhum comentário:
Postar um comentário