O ex-capitão, cuja especialidade é matar e que tinha o objetivo de “desconstruir muita coisa”, poderia se dar por satisfeito: seu governo é coroado de êxito nesse terreno. Contudo, “desconstrução” é palavra elegante e chega a ser um eufemismo para o real significado de um mandato de desmonte, destruição e dilapidação de tudo que se construiu no país nas últimas décadas.
Nunca morreram tantos brasileiros em tão curto espaço de tempo e nunca, na história recente desse país, se praticou tanta destruição com tamanha eficácia. Bolsonaro já podia se aposentar, furando o teto de salário, benefício que ele graciosamente concedeu aos militares, enquanto destruía os direitos dos demais trabalhadores, mas ele quer mais, inclusive porque teme ter que pagar pelos seus crimes.
Caminhando para o final do mandato, quase todos os órgãos sofreram interferência direta e deletéria do Executivo, desde o INPE ao IBAMA, do IBGE às universidades, passando pelas comissões que contavam com a presença de setores da sociedade civil e ajudavam na elaboração de políticas públicas, até a PF, a PGR e também o STF. Para quem diz que Bolsonaro é incompetente, sugiro que imagine um eventual segundo mandato, venha ele de uma improvável reeleição ou de uma prometida ruptura democrática, que não configuraria um segundo mandato, mas uma ditadura bem ao gosto dos seus arroubos autoritários, e temos o cenário de tempestade perfeita capaz de destruir o que restou de pé.
Diante de tanto descalabro, enquanto nos vemos diante das notícias sobre as buscas do jornalista britânico Dom Phillips e do servidor público indigenista Bruno Pereira, afastado de um cargo na FUNAI pelo exercício digno de suas funções, quase nos esquecemos que há algumas semanas, estarrecidos, clamávamos por justiça para Genivaldo de Jesus Santos, assassinado por asfixia por policiais rodoviários federais, que permanecem livres, beneficiados por novos e estupefacientes crimes, que nos fazem esquecer o anterior.
Ultrapassamos a metade do ano, com alguns desejando quase desesperadamente que daqui a quatro meses Bolsonaro comece a ser defenestrado do cargo que nunca deveria ter ocupado, mesmo sabendo que tantos permanecerão imersos sob os efeitos da Síndrome de Estocolmo, representada pelo bolsonarismo, e dispostos a atacar o “inimigo” ao primeiro chamado.
Em condições normais de temperatura e pressão, nenhum governante se manteria acima de 30% das intenções de voto diante de tamanha degradação social, moral, política e econômica de um país afundado no caos. Na inexistência de tais condições, não se pode prever, com maior precisão, que Bolsonaro venha a perder a eleição para Lula, ainda mais no primeiro turno, como muitos imaginam. Enquanto não damos um basta na barbárie galopante, só nos resta seguir construindo trincheiras pelo que nos resta de democracia e de vida.
CARLOS ZACARIAS de Sena Júnior
(Professor do Departamento de História da UFBA)
(Jornal A Tarde, Salvador, 17/06/2022)
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