O cordelista Franklin Maxado, um dos coautores do livro sobre os carrinhos de café, apareceu em casa numa manhã chuvosa de maio. Conversa vai, conversa vem, lembrei de ter assistido, em 1971, à entrega de diploma por Rodolfo Cavalcanti ao escritor Orígenes Lessa na sede dos cordelistas, Largo Dois de Julho, hoje reduzido a precário estacionamento. Também mencionei a exposição de gravuras de J. Borges na Aliança Francesa, ainda no Jardim Brasil, por mim organizada quando o professor da Sorbonne Raymond Cantel veio dar uma palestra sobre literatura de cordel na Ufba.
O Franklin possui uma coleção de matrizes de ilustrações de
cordel. Não seria este conjunto digno de pertencer ao Museu de Cultura Popular
da Bahia que tanto está demorando a se tornar realidade?
Me deslumbrei, em janeiro passado, com o Museu da Gente
Sergipana, num belo casarão de 1926 na área nobre de Aracaju. Além de muito bem
concebido, notei a excelente manutenção e, com grande satisfação, a multidão de
visitantes, inclusive muitos baianos, mesmo em dia de semana.
Aqui, em matéria de cultura, pouco mais podemos esperar do
governo Rui Costa. E a prometida reabilitação do Jandaia, governador, e o Museu
do Cacau, governador? A criação de um espaço para os saberes, fazeres e
costumes do povo da Bahia, tão criativo e de tantas heranças, seria um
excelente pontapé no campo da cultura para a nova gestão. Muitas manifestações
têm caráter efêmero, como os já citados carrinhos de café que estão
desaparecendo das ruas da capital. Um governo que não entende a importância da
memória cultural de seu povo tampouco será lembrado.
Documentar e preservar as cantorias da pesca e da lavoura, as lendas dos garimpeiros e das marisqueiras, o virtuosismo das bordadeiras e rendeiras, os vestires tradicionais dos zambiapungas, congos e marujadas, os instrumentos musicais, as preces e cânticos, rodas de samba e capoeira, o universo do café, do cacau e dos estaleiros, as culinárias da terra e do mar, a memória dos lambe-lambes e dos engraxates, olarias e casas de farinha, os segredos dos pedreiros e marceneiros, das curandeiras e benzedeiras. E a reabilitação dos repentistas e cordelistas, varridos da Praça Cairu hoje feita um heliporto, deserta de qualquer obstáculo, com a única finalidade de criar um espaço para grandes shows.
A Bahia precisa de um museu arejado e alegre, amplamente aberto para que os baianos reencontrem sua singularidade, longe do entretenimento motivado pelo lucro imediato. Nada de mergulho na escuridão com tecnologia de ponta que acaba afastando em vez de seduzir. Uma abordagem que não precise de celular, sem, porém, ignorar os bancos de dados.
Qual será o governador sensível a esta necessidade urgente,
urgentíssima?
NB.- Objetos do acervo Casa-Museu Solar Santo Antônio
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde, sábado 11 de junho 2022
Este foi o grande sonho de Lina Bardi, que chegou a fazer uma exposição no Solar do Unhão de artesanato e arte popular colecionada por ela. Seu sonho acabou quando os "brancos da Bahia" a denunciaram os militares de 1964 e assumiram o solar onde queria criar uma galeria de arte moderna para vender seus quadros e esculturas.
ResponderExcluirLembro-me desta coleção com muito carinho, também com a contribuição de Lina Bo Bardi. "A Coleção de Arte Popular reúne peças representativas da Cultura Popular do Nordeste, coletadas entre as décadas de 50 e 60 do século XX, cujo núcleo inicial teve origem na coleção adquirida pelo cenógrafo e diretor de teatro Martim Gonçalves. O acervo reunido por Gonçalves e, posteriormente, ampliado pela arquiteta italiana Lina Bo Bardi é composto por peças utilitárias e figurativas, dentre elas carrancas, ex-votos, imaginária, esculturas em cerâmica, fifós, panelas, potes de barro, brinquedos, utensílios domésticos e objetos criados a partir de materiais recicláveis, que mostram uma sintonia entre a arte e a vida cotidiana" https://dimusbahia.wordpress.com/solar-ferrao/
ExcluirTriste: desde o Ministério do Gilberto Gil o depois, do Juca Ferreira, tentei pedir o tombamento como patrimonio imaterial do repente e do cordel, mais nada... Juntamos forças com gente do Rio, reunimos esperanças com Bule-Bule e muitos académicos...nada conseguimos. Pena. Eu escrevi um artigo sobre esse tema, para a revista Leopoldianum. "E de repente o cordel" (Laura Benitez Brickman). Quem quisser, tem um trabalho meu anterior na livraria dos Barris. Tomara que algum dia consigam... abraço.
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