segunda-feira, 21 de novembro de 2022

O BILHETE DE GARIBALDI

 


Oriundo de uma família europeia exageradamente eclética onde se misturam russos, ingleses, suíços, italianos e franceses, católicos, agnósticos, judeus, ateus e presbiterianos, cujos membros se espalharam por quatro continentes, aportei na Bahia com muitas memórias e poucas heranças tangíveis.

Dentre estas, uns pedaços de leque que teriam pertencido a uma antepassada, dama de companhia da Imperatriz Eugénia, esposa de Napoleão III, uma pequena ânfora romana desenterrada em Pompeia por minha tetravó paterna no século XIX - qualquer um podia se servir nessas ruinas descobertas pouco mais de cem anos antes - e um modesto bilhete assinado por Garibaldi endereçado a um tetra tio genovês que combateu ao lado do franco-italiano herói do Resorgimento.

É deste bilhete que hoje pretendo falar.

O curto texto com a histórica assinatura está devidamente valorizado por uma moldura dourada da mesma época. Durante os quinze anos em que vivi em Portugal, tive certa vez a oportunidade de mostrar o bilhete ao ex-rei Umberto de Itália que morava em Cascais. Com um discreto sorriso, a majestade se contentou em comentar: “Agradeçamos a seu tio”. E não era para menos, já que muito graças a Garibaldi em 1861 o avô Vittorio Emanuele II fora coroado rei da Itália finalmente unificada.

Quando convidado em 2015 pela Universidade de Santa Catarina para o seminário “Memória Urbana 2” em Laguna sobre preservação do patrimônio, pensei em doar o documento ao museu local. Se a pequena cidade é encantadora e a pesca com golfinhos emocionante, o Museu e a Casa da Anita Garibaldi estavam ambos em deprimente e avançado estado de abandono. Impossível confiar a escrita do irrequieto guerrilheiro a cidade onde ele encontrou aquela que seria sua companheira durante dez anos.

Voltei a Salvador com a dita assinatura e condizente moldura. Teria agora que definir um outro porto seguro para a peça. De minha numerosa família brasileira – do lado de meu pai seis irmãos e uma penca de descendentes - espalhada entre São Paulo, Santos e Brasília, suspeito até que alguns nem saibam quem fora Guiseppe Garibaldi.

Pensando que o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia poderia abrigá-lo, adentrei certa tarde o prestigioso imóvel da Piedade. Fui muito bem recebido e até reconhecido pela secretária do presidente. Um dos responsáveis do IGHB ouviu minha proposta, demostrando interesse na doação. Afinal, se trata também de um pedacinho da história do Brasil.

Ficou em se comunicar comigo num futuro próximo. Aguardei vários dias, mandei mensagem por e-mail cobrando uma resposta, mas até o fim deste mês de novembro ainda não recebi sinal nenhum de aceitação.

Só me resta vendê-lo a algum colecionador de documentos.

Você se interessaria?

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