Oriundo de
uma família europeia exageradamente eclética onde se misturam russos, ingleses,
suíços, italianos e franceses, católicos, agnósticos, judeus, ateus e
presbiterianos, cujos membros se espalharam por quatro continentes, aportei na
Bahia com muitas memórias e poucas heranças tangíveis.
Dentre estas,
uns pedaços de leque que teriam pertencido a uma antepassada, dama de companhia
da Imperatriz Eugénia, esposa de Napoleão III, uma pequena ânfora romana
desenterrada em Pompeia por minha tetravó paterna no século XIX - qualquer um
podia se servir nessas ruinas descobertas pouco mais de cem anos antes - e um
modesto bilhete assinado por Garibaldi endereçado a um tetra tio genovês que
combateu ao lado do franco-italiano herói do
Resorgimento.
É deste
bilhete que hoje pretendo falar.
O curto
texto com a histórica assinatura está devidamente valorizado por uma moldura
dourada da mesma época. Durante os quinze anos em que vivi em Portugal, tive
certa vez a oportunidade de mostrar o bilhete ao ex-rei Umberto de Itália que
morava em Cascais. Com um discreto sorriso, a majestade se contentou em
comentar: “Agradeçamos a seu tio”. E não era para menos, já que muito graças a
Garibaldi em 1861 o avô Vittorio Emanuele II fora coroado rei da Itália
finalmente unificada.
Quando
convidado em 2015 pela Universidade de Santa Catarina para o seminário “Memória
Urbana 2” em Laguna sobre preservação do patrimônio, pensei em doar o documento
ao museu local. Se a pequena cidade é encantadora e a pesca com golfinhos
emocionante, o Museu e a Casa da Anita Garibaldi estavam ambos em deprimente e
avançado estado de abandono. Impossível confiar a escrita do irrequieto
guerrilheiro a cidade onde ele encontrou aquela que seria sua companheira durante
dez anos.
Voltei a
Salvador com a dita assinatura e condizente moldura. Teria agora que definir um
outro porto seguro para a peça. De minha numerosa família brasileira – do lado
de meu pai seis irmãos e uma penca de descendentes - espalhada entre São Paulo,
Santos e Brasília, suspeito até que alguns nem saibam quem fora Guiseppe
Garibaldi.
Pensando que
o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia poderia abrigá-lo, adentrei certa
tarde o prestigioso imóvel da Piedade. Fui muito bem recebido e até reconhecido
pela secretária do presidente. Um dos responsáveis do IGHB ouviu minha
proposta, demostrando interesse na doação. Afinal, se trata também de um
pedacinho da história do Brasil.
Ficou em se
comunicar comigo num futuro próximo. Aguardei vários dias, mandei mensagem por
e-mail cobrando uma resposta, mas até o fim deste mês de novembro ainda não
recebi sinal nenhum de aceitação.
Só me resta
vendê-lo a algum colecionador de documentos.
Você se
interessaria?
Desprezo pela História
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