4 fatores que impedem que Brasil vire potência no turismo apesar do potencial
Estudo analisou fatores que emperram
o desenvolvimento nacional do setor, que poderia dar contribuição na criação de
empregos.
Por BBC
As Cataratas do Iguaçu
representam apenas um dos grandes ativos do turismo brasileiro, mas país segue
com números modestos para o potencial — Foto: ARTERRA/UNIVERSAL IMAGES GROUP
VIA GETTY IMAGES/via BBC
Alguns dos elementos mais associados ao Brasil — belezas naturais, grande diversidade
cultural, calendário rico em festas nacionais e regionais — valem ouro em
qualquer roteiro de viagem. Mas o grande potencial do país não se traduz em
números de destaque no mercado mundial de turismo. Um estudo analisou fatores
que emperram o desenvolvimento nacional da área.
·
O futuro do turismo no Brasil a partir
da análise crítica do período 2000-2019 contou com 23 pesquisadores de 17
instituições brasileiras. A investigação observa que, mesmo durante o boom do
turismo internacional na década passada, o Brasil estacionou em pouco mais de 6 milhões de
visitantes estrangeiros por ano.
Nesse período, o país ainda teve a rara oportunidade de sediar uma Copa
do Mundo e uma Olimpíada no espaço de dois anos, mas o crescimento entre 2014 e
2019 foi ínfimo: uma alta ligeira (que também pode ser vista como estagnação)
de 6,31 milhões para 6,35 milhões.
O Brasil não figura nem na lista da Organização Mundial de Turismo dos 50 países com mais chegadas de turistas. Os dados são relativos a 2019, ou seja, antes da chegada da pandemia de covid. Em todo o mundo, o setor sofreu fortemente os impactos da quarentena e tenta agora ensaiar uma recuperação. Para efeito de comparação, uma única localidade do Vietnã, a Baía de Ha Long, recebeu quase o equivalente aos números totais do Brasil: 6,2 milhões, de acordo com o Euromonitor. O Vietnã, como um todo, contabiliza 18 milhões de viajantes internacionais anualmente.
Outro exemplo, e de maior proximidade, é o México. De limitações
socioeconômicas como o Brasil, o país se
firmou como um dos mais importantes destinos do turismo mundial, com 45 milhões
de turistas estrangeiros.
Apesar de trunfos como o
Rio de Janeiro, uma metrópole com belezas naturais, número de visitantes
internacionais no Brasil é pequeno se comparado a países como Vietnã e
Tailândia — Foto: TOMAZ SILVA/AGÊNCIA BRASIL/via BBC
Os mexicanos são muito beneficiados pela proximidade com os Estados
Unidos, mas deram prioridade ao setor em sua estratégia econômica na última
década, segundo observa relatório da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento (OCDE).
Comparações podem ser relativizadas pelas condições específicas dos
países, mas o mercado brasileiro, com trunfos turísticos bem conhecidos como o
Rio de Janeiro e as Cataratas do Iguaçu e dezenas de lugares com grandes
possibilidades de desenvolvimento, está claramente aquém do seu potencial.
Isso é admitido em um relatório do governo federal.
"O Brasil não faz
parte das rotas do turismo global", diz uma análise feita pela Secretaria
Especial de Produtividade e Competitividade, vinculada ao Ministério da
Economia, no ano passado.
O texto cita que "no Brasil, 93% dos visitantes são locais" e "[em
2019] a participação no PIB era de 7,7% e com alta empregabilidade, mas com um
crescimento estagnado".
A permanência de velhos problemas e o aparecimento de novos levam
o Brasil a deixar de aproveitar um setor que poderia
ter um impacto positivo de forma considerável na economia, na melhoria dos
serviços, na conservação dos espaços nas cidades, entre outros ganhos.
Para Alexandre Panosso Netto, coordenador de pós-graduação em Turismo da
Universidade de São Paulo (USP) e um dos autores da pesquisa, esse caminho de
desenvolvimento não se torna uma política séria de Estado por algumas razões:
"concorrência de várias áreas e a incompreensão dos pontos positivos do
turismo como vetor e alavanca de inclusão social, de valorização da cultura e
de diversificação de pensamentos e aprendizado".
"O turista estrangeiro gastava por volta de US$ 110 por dia
no Brasil até a pandemia. Em 2019 foi por volta de
US$ 6 bilhões que os estrangeiros trouxeram ao país. Então dobrar ou triplicar
o número de visitantes representaria dobrar ou triplicar esse montante."
Museu do Amanhã tornou-se
uma das principais atrações turísticas do Rio — Foto: TÂNIA RÊGO/AGÊNCIA
BRASIL/via BBC
O mercado de trabalho também teria a ganhar com o turismo.
"Não é só financeiro, o aumento do número de empregos gerados e o
efeito multiplicador do turismo seriam grandes. "Veja abaixo alguns
fatores que prejudicam que o turismo brasileiro decole:
1) Imagem ruim no exterior
Violência, corrupção, ambiente hostil para mulheres e para o público
LGBTQ+, somados à deterioração nos últimos anos da imagem do país em campos
como meio ambiente e a gestão da pandemia do coronavírus, não criam um cenário
muito atraente para turistas considerarem o Brasil como destino, afirma Panosso Netto.
Seu estudo cita um índice criado pelos jornalistas Asher e Lyric
Fergusson que ranqueia os países mais perigosos para mulheres que viajam
sozinhas. O Brasil é
listado na segunda posição, atrás apenas da África do Sul.
A mudança do slogan oficial do turismo brasileiro em 2019 também não
ajudou na imagem brasileira. A frase usada para promoção, "Visit and love
us" (Visite e nos ame, em tradução literal), foi considerada de pouca
fluência e de construção pouco usual no inglês, além de soar com conotação
sexual para alguns turistas estrangeiros.
O pesquisador também diz que a ligação do país a histórias que envolvem
corrupção "influenciam como o turista nacional e internacional vê o
destino Brasil. Se é um
destino com notícias de corrupção, também se pode imaginar que é um destino
inseguro".
Ele diz que países com problemas relacionados à corrupção como México e
Turquia, mas com grande número de visitantes, conseguem contornar a questão
pela proximidade a grandes mercados consumidores internacionais e a criação de
ilhas de excelência turística.
2) Falta de continuidade em políticas
e planejamento
"Políticas de turismo específicas precisam ser baseadas em um
processo de planejamento contínuo", diz o estudo.
Para um desenvolvimento mais sustentável do setor é preciso que o
Ministério do Turismo e a Embratur tenham grande qualidade técnica, com um
planejamento de longo prazo.
Gruta do Lago Azul, em
Bonito (MS), cidade que é citada como exemplo de boa estratégia de longo prazo,
por ter começado na década de 1990 a trabalhar o potencial turístico e hoje é
um destino bastante solicitado — Foto: PREFEITURA DE BONITO/via BBC
Panosso Netto cita Bonito, em Mato Grosso do Sul, como um exemplo de um
destino que vivenciou processo de melhora e desenvolvimento através dos anos.
"Há ótimos exemplos de boas práticas turísticas nos interiores
do Brasil. Bonito, em Mato Grosso do Sul, com sua
diversidade ecológica e turismo de alto nível, é um exemplo disso. Mas essa
qualidade de Bonito não foi alcançada de uma hora para a outra. Começou no
início dos anos 1990. Estamos falando, portanto, de mais de 30 anos de
trabalho."
Mas problemas com a conservação ambiental derivados do desmatamento vem
impactando o ecoturismo da região. A abertura de áreas para agricultura impacta
na cor das suas águas, um dos grandes trunfos de Bonito. Cerca de 70% da
população local depende do turismo.
Políticas de turismo também incluem a identificação de oportunidades em
diferentes mercados, como o latino-americano.
"É preciso se preparar para receber o turista argentino, uruguaio,
chileno, peruano, boliviano, paraguaio etc. Não podemos estar dar as costas à
América Latina."
3) Qualidade dos serviços varia muito
A falta de maior profissionalização na parte de serviços é algo
constantemente apontado como problemático. "Esse é um dos itens mais
criticados pelos profissionais do setor", afirma Panosso Netto.
O pesquisador acha que seria também uma forma de desenvolver a própria
área de empreendedorismo no país.
"O turismo é a porta de entrada de muitos empreendedores de
primeira viagem. Termos que transformar isso em um ponto positivo a nosso
favor. O governo pode criar programas de formação continuada do turismo, tal
como já existiram no passado, a exemplo do Curso de Formação de Gestores de
Políticas Públicas do Turismo Nacional."
Educação sobre como funcionam o mercado e o atendimento a turistas domésticos
e internacionais, além do aprendizado efetivo de idiomas, seriam formas de
capacitação.
Mas há um outro problema estrutural, segundo o professor da USP: "A
dificuldade em acessar o crédito para o investimento em empreendimentos
turísticos pequenos também é imensa".
4) Transporte aéreo e deslocamento
Aeroporto de Guarulhos —
Foto: AGÊNCIA BRASIL/via BBC
Segundo a pesquisa, embora o ambiente entre 2000 e 2019 no mercado aéreo
"tenha melhorado a oferta e a competição nas rotas principais,
especialmente aquelas conectando as capitais dos Estados e grandes centros
urbanos, o acesso regional ainda é caro e, na maioria dos casos,
insatisfatório".
Para Panosso Netto, "o transporte aéreo está deveras caro pelo
preço do querosene e a política de impostos dos combustíveis e taxas
aeroportuárias. Além disso, as viagens rodoviárias são prejudicadas pelas
condições das rodovias; e se as rodovias são boas, os pedágios são caros".
O tamanho continental do Brasil, que de uma
forma pode ser uma vantagem pela variedade de ofertas, acaba gerando um
problema pelo deslocamento.
"Acredito que os destinos regionais devam se unir mais para compartilharem os turistas que por eles passam. Ou seja, a gestão regional do turismo deve ser fortalecida, junto com a criação de roteiros regionais com produtos e serviços de alta qualidade", diz o professor da USP.
O estudo defende "alinhar o ambiente regulatório, jurídico e
tributário que rege a aviação brasileira, ao ambiente internacional. A evolução
que viveu o setor nestes 20 anos não permite que sigamos admitindo que o Brasil tenha sérias diferenças e distorções entre
nossas regras nacionais, que acabam gerando ofertas e produtos mais caros aos
consumidores, e o que se pode ofertar no exterior".
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