Viagem de trem iniciada na Bahia foi destaque na Eco-92
Encontro realizado no RJ pela ONU
teve marcos como a Agenda 21, que deu à questão ambiental novas nuances
Publicado sábado, 04 de junho de
2022 às 06:02 h | Atualizado em 04/06/2022, 09:02 | Autor: Cleidiana Ramos*
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Ideia de José Augusto Saraiva (à direita na foto ) de fazer uma viagem pelo mar foi adaptada para o projeto Verde Trem - Foto: Acervo Berna Farias | Divulgação
Há 30
anos o Rio de Janeiro recebeu a II Conferência das Nações Unidas para o Meio
Ambiente e Desenvolvimento, que foi também chamada de Eco- 92 e Rio-92. O
encontro realizado de 3 a 14 de junho teve a participação de 187 países e 16
agências especializadas, como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e
Banco Mundial, além de ter reunido 102 chefes de estado, a exemplo de Helmult
Kohl, chanceler da Alemanha, George Bush, presidente dos EUA e John Major,
primeiro-ministro inglês, que foram recepcionados pelo então presidente do
Brasil, Fernando Collor de Mello, o anfitrião do evento. O Fórum Global, com
forte mobilização da sociedade civil, foi um dos destaques do evento, assim
como o Verde Trem, um projeto que possibilitou uma viagem por ferrovia, com
início na Bahia, passando por Minas Gerais até chegar ao Rio de Janeiro. A TARDE participou dessa iniciativa com a equipe
formada pela jornalista Berna Farias e pela repórter fotográfica Rejane
Carneiro.
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“De acordo com um dos coordenadores, José Augusto
Saraiva, integrante do grupo ecológico Gérmen, o trem não vai apenas levar
baianos e pessoas de outros estados do Nordeste para a Eco- 92: a viagem é
histórica e pretende mostrar que o trem ainda é a alternativa mais segura,
econômica e ecológica de viajar”. (A TARDE, 22/5/1992, p3).
O Verde
Trem saiu da Estação da Calçada em Salvador, no dia 23 de maio de 1992, com 120
integrantes. Além das jornalistas de A
TARDE a comitiva reuniu artistas e ativistas, como o compositor
Gilberto Gil, que seguiu até Santo Amaro. O projeto partiu de uma ideia
do arquiteto José Augusto Saraiva, do Grupo de Recomposição Ambiental (Gérmen),
que se juntou ao desejo da reedição do sistema de passageiros, que é uma das bandeiras
do Movimento Trem de Ferro. Saraiva faleceu no ano passado. A ação
reuniu, além de ambientalistas, artistas de diversas áreas.
Para a realização da viagem, o trem teve que ser
adaptado para o transporte de passageiros, pois essa modalidade nos trechos intermunicipais
e interestaduais já estava desativada. A composição foi formada por duas
locomotivas, um vagão restaurante, uma plataforma, um carro-cabine e duas
classes. O percurso foi de, aproximadamente, três mil quilômetros e com paradas
por dezenas de municípios da Bahia e Minas. Em cada estação, o trem era
recebido com festa pela população dos municípios, que incluíram oferta de
jantares e shows com a participação dos artistas que estavam no trem.
A chegada no Rio de Janeiro ocorreu no dia 29 de
maio. Foram sete dias de viagem. Na chegada ao Rio ocorreu um grande show com
Gilberto Gil e artistas que fizeram todo o percurso, além de convidados. O
trajeto foi contado pela jornalista Berna Farias em forma de diário.
Conjunto de reportagens especiais contou o dia a dia da viagem no Verde Trem|
Foto: Cedoc A TARDE
“E o "trem verde" chegou ao Rio de
Janeiro. Foram "três mil quilómetros de feriado nacional", no feliz
achado de um engenheiro da Rede Ferroviária Federal, que nos acompanhou durante
a viagem. O clima de emoção transbordante nas inúmeras pequenas e médias
cidades e até nas minúsculas estações por onde passamos e paramos, e nos campos
onde solitários agricultores e principalmente crianças acenavam e davam vivas
ao trem. Contagiou a todos os passageiros. Nós, os "verdes",
carregando duas bandeiras da maior importância: a defesa da natureza e futuro
de nossa Terra, e o retorno aos trilhos dos trens de passageiros”. (31/5/1992,
p.3).
Inesquecível
A jornalista Berna Farias considera essa uma das
experiências mais marcantes na sua trajetória profissional. Tanto que lembra
detalhes muito precisos de cada momento da viagem, como até os dias da semana
nas datas de chegada e saída. Além disso, em tempos em que a Internet ainda não
era comum, mesmo nas empresas de jornalismo, Berna Farias enumera as
alternativas que teve que adotar para enviar seus textos.
“O formato de diário foi o modelo definido para os
textos, mas sempre tinha corte nas matérias por causa dos horários de
fechamento. Ainda assim foram publicadas reportagens diariamente. Eu enviava os
textos por fax e telex. Mas teve um dia em que chegamos numa cidade que não
tinha nenhum dos dois equipamentos. A saída foi ditar o texto por telefone para
a colega Rosane Santana, que estava no plantão”, relata Berna.
O
equipamento para a produção dos textos usado pela jornalista foi uma máquina de
datilografia da marca Olivetti, que tinha a vantagem de ser portátil e,
portanto, leve, mais ou menos como os atuais notebooks. “Essa máquina me foi
emprestada por Paulo Simões, da editoria de Esportes. Eu fui buscar a máquina
na casa dele no dia do embarque e quase fiquei de fora porque não tinha paradas
programadas. Eu fui acompanhando o trajeto do trem no carro do jornal e em
Periperi houve uma parada, mas sem embarque e desembarque. Entrei pela janela e
a piada no interior do trem foi a de que ´antes A TARDE do que nunca´”, relata Berna Farias.
Já a repórter fotográfica Rejane Carneiro teve mais
dificuldades para enviar o seu material. Ainda em formato analógico, os rolos
de fotografia eram enviados por mala postal. No retorno para Salvador uma
decepção aguardava a fotojornalista: vários rolos se perderam. “Mas foi uma
experiência inesquecível. A recepção nas estações era algo inacreditável. A
gente dava até autógrafo. Em Minas Gerais o trem foi trocado por um mais
moderno que tinha até tapete vermelho. Foi como uma viagem no tempo”,
acrescenta Rejane Carneiro.
Berna Farias afirma que tem a sensação de que
aqueles sete dias marcaram não apenas a sua vida, mas a de todos que
participaram. “Foi uma experiência muito forte e de intensa carga emocional.
Alguns anos depois eu fiz uma viagem de trem entre cidades da França e da
Itália e fiz uma anotação de que se tivesse que escolher um momento da minha
vida para reviver seria a viagem do Trem Verde. Quando eu li para um dos
participantes com quem mantenho contato até hoje ele chorou”, diz a jornalista.
No último dia 28 alguns dos participantes da viagem
se reuniram para comemorar os 30 anos da iniciativa. Coordenador geral do
Movimento Trem de Ferro, Gilson Vieira destaca diversos momentos marcantes
vividos durante a viagem, como a animação proporcionada por um trio de forró
que fez parte da comitiva. Para ele o objetivo central do projeto ganhou
visibilidade. “Queríamos mostrar que era possível restaurar o sistema de
transporte de passageiros nas ferrovias. O trem é um meio econômico e
sustentável do ponto de vista ambiental”, acrescenta Vieira.
O engenheiro Álvaro Baqueiro considera ter tido a
sorte de conseguir uma vaga, pois a participação no projeto foi disputadíssima.
Ele destaca entre as suas boas recordações da viagem a possibilidade de
contemplar o trem superando obstáculos de percurso como a Serra do Espinhaço.
“Eu sou apaixonado por geografia e história. Contemplar as paisagens por meio
da janela em uma viagem por três estados foi fascinante”. Além disso, Luiz
Marcelo Gurgel, cunhado de Álvaro, foi protagonista de histórias que ainda rendem
boas risadas na família. Aos 19 anos ele foi assistir a saída do trem da
Estação da Calçada. Acabou dando um jeito de embarcar e resolveu seguir até
Santo Amaro. Foi até Cachoeira e, por fim, chegou a Iaçu, onde foi confundido
com uma celebridade. “Até autógrafo ele distribuiu”, diz Baqueiro.
Além de boas lembranças para quem participou do
Verde Trem, a Eco-92 proporcionou outras vitórias como a Agenda 21, um dos
documentos resultantes do encontro e que mudou a forma como os países passaram
a debater as questões ambientais. Ainda há muita polêmica, desacerto e outros
entraves, mas esses temas ganharam maior protagonismo, especialmente por conta
das estratégias criativas dos ativistas da causa, como os passageiros da viagem
que voltou a dar vida, por alguns dias, à malha ferroviária para passageiros
entre Bahia, Minas e Rio de Janeiro.
*Cleidiana
Ramos é jornalista e doutora em Antropologia
COMENTÁRIO DO BLOGUEIRO.- Me lembro muito bem ter participado deste belo passeio. Hoje, este trem não existe mais, graças ao futuro trambolho do Rui Costa chamado "monotrilho"
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