sexta-feira, 18 de novembro de 2022

APLICAR A LEI PARA OS GOLPISTAS...

... NAS PORTASD DOS QUARTEIS


Quanto mais imagens, vídeos e memes circulam e nos põem diante de pessoas que parecem viver numa realidade paralela e permanecem se manifestando contra o resultado das urnas e pedindo uma intervenção militar, mais cresce a tentação de remeter o fenômeno para o âmbito psiquiatria. Vem daí a tese de que precisamos é de uma intervenção psiquiátrica, algo que tem funcionando como alívio cômico nesses dias tensos após a vitória de Lula e a reclusão do presidente em melancólico fim de mandato.
Há tempos que os estudiosos vem tentando compreender as situações em que pessoas com indícios de estarem em processo de dissonância cognitiva se movem em função de interesses políticos aparentemente irracionais. De Gustave Le Bon a Adorno, passando por Freud e Reich, os estudos sobre a psicologia de massas oferecem pistas e alternativas de explicação sobre comportamentos que parecem inexplicáveis. As cenas que temos visto deparam-se com respostas resumidas num meme em que dizeres de faixas e cartazes de manifestantes são substituídos por frases como “Intervenção psiquiátrica”, “Tarja preta já”, “Freud explica”.
A tentação de remeter o fenômeno ao âmbito da patologia é grande. Entretanto, se não se pode prescindir da psicologia de massas para entender o comportamento das coletividades acampadas nas portas dos quartéis, acomodar a explicação no âmbito da saúde mental é um erro. É errado supor que as pessoas que pedem golpe estão em surto coletivo, tanto pela dimensão jurídica que atenuaria os crimes cometidos, quanto pelo fato de que de estamos falando de fascismo, que é um fenômeno político e não psicanalítico.
Ao longo da história, as épocas que viram a ascensão da extrema direita fascista situam-se em ambientes histórico, sociológico e político específicos, com explicações transversais. Os milhares de livros e artigos que tentam entender como um personagem como Hitler e sua súcia de milicianos com apetites sádicos pôde chegar ao poder num dos países mais desenvolvidos do planeta, não resumem suas teses aos afetos das massas, mas conjugam fatores diversos, lançando luz sobre o fenômeno que as vezes se repete como farsa.
Após quatro anos de insistentes tentativas de fazer sucumbir a precária democracia brasileira, golpeada de morte em 2016 por um conluio jurídico-parlamentar-midiático que pôs o país à beira do precipício, enquanto de um lado a normalidade institucional e a frente pela democracia fazem o seu caminho para garantir a posse de Lula em janeiro, de outro uma horda de fascistas permanecem ameaçando.
Não precisamos de intervenção psiquiátrica, mas de aplicação da lei para quem ameaça a democracia. Os fascistas de hoje sabem bem o que fazem. Os eventuais inocentes, se assim podemos chamar os manipulados, enganados por gente má, são seus cúmplices, não menos perigosos, igualmente criminosos.

(Jornal A Tarde, Salvador, 18/11/2022)
Carlos Zacarias de Sena Júnior (Professor do Departamento de História da UFBA)



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