quarta-feira, 28 de novembro de 2018

UMA JOIA ESQUECIDA...

... NO ALENTEJO PORTUGUÊS

OS FRESCOS DE FILIPE DE SANTIAGO EM SAFARA (1723). 

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A esquecida Capela gótico-manuelina da Comenda, em ruína inexorável nos belíssimos campos de Safara... ou ainda passível de recuperação ?

No ano que findou, uma bem sucedida campanha de restauro operada na igreja matriz de Safara (Moura), com apoio da Câmara Municipal de Moura, permitiu resgatar os frescos barrocos que decoram a tribuna e a nave desse singular templo quinhentista. 

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Frescos maneiristas, sécs XVI-XVII, da Capela da Coroada, Safara. Os 'retábulos fingidos' das paredes da ousia, com santos e cenas religiosas (Adoração dos Magos, p.ex.), lembra-me algumas coisas de frescos bejenses (Vidigueira, Portel).... o Caetano e o Pestana saberão melhor destrinçar os paralelos técnico-estilísticos dessa oficina provincial activa c. 1600.

Esses frescos (de que só eram visíveis parcos vestígios, já assinalados pelo sempre atento Túlio Espanca) mostram ousadas simulações cenográficas com trechos de arquitecturas fingidas, aparatosos atlantes e colunas pseudo-salomónicas envolvendo cenas religiosas (‘São Miguel e as Almas’ e ‘A Virgem entregando a casula a S. Simão Stock’). Sabemos, pela documentação contabilística da igreja, o nome do artista: chamava-se Filipe de Santiago Neves, era pintor-dourador, fresquista e brutescador, morava em Évora, cidade onde trabalhou entre 1700 e 1732, data da morte (foi ele quem dourou o retábulo do mosteiro da Cartuxa, por exemplo). 

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Pormenor dos frescos quinto-joaninos da igreja matriz de Safara, por Filipe de Santiago Neves, 1722-1723. Formam uma espécie de altares fingidos com 'palas de altar' simuladas.

Este seguidor dos modelos de António de Oliveira Bernardes interveio na igreja de Safara em 1722-1723, pintando também os brutescos da tribuna e os azulejos fingidos do revestimento. A campanha fresquista de Filipe de Santiago pode agora avaliar-se melhor: se é certo que o desenho e a modelação primam pela dureza, já o sentido cenográfico da decoração é apreciável. 

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Pormenor da decoração de brutescos da tribuna do retábulo da matriz de Safara, 1722-23.


Estamos perante soluções de Barroco ‘sui generis’, que constituem sempre uma mais-valia dos patrimónios regionais. Assim, esta simpática aldeia sita na Margem Esquerda do Guadiana passa a contar com um novo chamariz turístico-cultural, esperando-se que, com a brevidade que a sua ruína exige, seja também intervencionada e salva a Capela da Coroada, hoje ao abandono, com estrutura gótico-manuelina e frescos do fim do século XVI. 

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Azulejos da capela-mor da igreja matriz de Safara, 1º terço do séc. XVIII, obra de MANUEL VAZ, um modesto pintor da vila de Serpa, casado com uma irmã de António de Oliveira Bernardes e seu seguidor.


Agradeço a Santiago Macías (cujo trabalho autárquico foi notável), ao escultor António Vidigal, e a Francisco Perfeito Caetano, a recente chamada de atenção para estes muito esquecidos micro-patrimónios, que urge resgatar como prioridade das políticas culturais do Alentejo raiano.

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No livro 'A Pintura em Moura. Séculos XVI, XVII e XVIII', meu e de Joaquim Oliveira Caetano (CMM, 1999), revelámos a p. 110 a documentação respeitante a esta campanha fresquista da matriz de Safara.

Vitor Serrão


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