segunda-feira, 10 de agosto de 2020

UM POETA DA MARTINICA

Aimé Césaire, Martinique Poet and Politician, Dies at 94 - The New ...   AIME CESAIRE
 1913 Martinica- 2008  Martinica


foi um poeta, dramaturgo, 
ensaísta e político da negritude.

Além de ser um dos mais 
importantes poetas surrealistas
 no mundo inteiro, inclusive no 
dizer do líder deste movimento,
 Breton, Aimé Césaire foi, 
juntamente ao Presidente do
 Senegal, Léopold Sédar Senghor, 
o ideólogo do conceito de 
negritude, sendo a sua obra 
marcada pela defesa de suas
 raízes africanas.



Tradução de Neide Paiva
e

Carlos Loria

Partir.

Asim como há homens-hiena e homens-
pantera, eu seria um homem-judeu
um homem-cafre
um homem-hindu-de-Calcutá
um homem-do-Harlem-que-não-vota

o homem-fome, o homem-insulto, o
homem-tortura podia-se a qualquer
momento agarrá-lo, moê-lo de panca
das, matá-lo — isso mesmo, matá-lo!
— sem ter que prestar contas a nin
guém sem ter que pedir desculpas a
                                        ninguém
um homem-judeu
um homem-pogrom
um cãozito
um mendigo

mas será que se mata o Remorso, belo
como o ar de estupor de uma dama
inglesa que encontrasse na sopeira um
crânio de hotentote?


Não, não fomos nunca amazonas do rei do Daomé,
nem príncipes de Gana com oitocentos camelos,
nem doutores em Tombuctu sob o reinado de Askia
o Grande, nem arquitetos de Djenné, nem Mahdis,
nem guerreiros. Não sentimos sob a axila a comichão
daqueles que seguraram a lança. E como jurei nada
ocultar da nossa história (eu que nada admiro tanto
quanto o carneiro pastando a sua sombra da tarde),
quero confessar que fomos o tempo todo uns lavadores
de louça bem ordinários, engraxates sem grande
competência, na melhor das hipóteses, feiticeiros
bastante conscienciosos e o único recorde que batemos
 é o da resistência ao chicote...

E este país gritou durante séculos que somos bestas-feras;
que as pulsações da humanidade param nas portas da
negrada; que somos um estrume ambulante horrendamente promissor de canas tenras e de algodão sedoso e nos
marcavam com ferro em brasa e dormíamos sobre os nossos excrementos e nos vendiam nas praças e a vara de tecido
inglês e a carne salgada da Irlanda eram mais baratas que
nós, e este país era calmo, tranquilo, dizendo que o espírito
de Deus estava nos seus atos.



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