BURLE MARX BURLADO

Nos jardins de Burle Marx a densidade da massa arbórea é de suma importância.

Quando em Recife, cidade para mim sempre misteriosa, já que, ao contrário de Salvador, esconde seus tesouros, uma amiga me hospeda gentilmente no seu apartamento da Casa Forte, com vista privilegiada sobre o jardim da praça, primeira obra pública de Roberto Burle Marx (1934). Em quatro anos, o jovem paisagista criaria mais de dez jardins na capital pernambucana. Sabiamente, a prefeitura acaba de instituir um conselho gestor para cuidar destes “jardins históricos” tombados pelo IPHAN, órgão que lá parece mais dinâmico que nosso sonolento Solar Berquô.

Salvador não tem a cultura do jardim público. Nem do verde. Adora uma chapa de concreto, como provam as últimas obras da prefeitura. A Praça Marechal Deodoro ganhou uma mega-impermeabilização. Com a próxima época de chuvas, podemos prever mais alagamentos no Comércio. 

O micro-ondas da Praça Cairu

O Farol da Barra e a Praça Cairu - nosso mais recente micro-ondas - áreas desprovidas de árvores, foram concebidas unicamente para produzir grandes shows. Réveillon, Carnaval, São João. Ou seja, duas semanas de festas político-comerciais sacrificando 350 dias de qualidade de vida do soteropolitano.

Difícil é atribuir o Prêmio da Pior Praça de Salvador. O leitor que escolha entre tantas opções. 

Na realidade, o Campo da Pólvora é ainda mais deprimente

Meu voto vai para o pavoroso Campo da Pólvora, gestão do Exterminador do (seu) Futuro, que caprichou, entre outros absurdos, com uma surreal placa de metal reproduzindo algo bíblico... em adesivos Letraset! Vejam até onde vai a religião mal digerida. Não houve milagre: as letras desapareceram em dois meses. Ao trocar de companheira, nosso edil esqueceu os evangelhos e caiu na folia.

Projeto de Burle Marx para o Terreiro de Jesus

Teria Salvador o privilégio de ostentar uma obra do Burle Marx quando o Terreiro de Jesus foi adaptado ao projeto de1952. Mas, como explicou a gerente da Fundação Mario Leal Ferreira, o novo projeto “... introduz algumas alterações necessárias em função do tempo decorrido e por ter sido anterior ao tombamento. O projeto original (...) tinha massa arbórea mais densa. Foi feita avaliação de como esse paisagismo iria interferir no ambiente, nos casarios, igrejas. Houve adequação a isso, inclusive com mudanças das espécies dos vegetais, por conta da altura e volume da copa”.

O Burle Marx teria concordado com este "adequação"?

Ou seja, um grupinho de doutores (?) se permite mudar e podar a obra do maior paisagista brasileiro na mais absoluta cara de pau, simplesmente para o turista ter uma visão imediata do conjunto arquitetônico da praça, como se esta panorâmica fosse algo indispensável. Esta “contemporaneização” é tão incongruente como trocar a moldura original, de madeira talhada e dourada, da Gioconda (Leonardo da Vinci) por uma de alumínio.

Assim que podemos considerar o paisagismo do Terreiro de Jesus como obra ilegítima do Burle Marx.

Dimitri Ganzelevitch

Jornal A Tarde

Sábado 22 de agosto 2020.