Poucos dias depois, o
telefone toca. Era o tal. Voz alegre, comunicativa. Amigo de amigo, amigo é. Convido-o
para almoçar em minha casa, convite que muito parece ter-lhe impressionado. Antes
de desligar, pergunta-me se conheço alguém interessado em adquirir um desenho
do Diego Rivera. Respondo que não me parece o mercado ideal para vender algo,
mesmo modesto, do mestre do muralismo mexicano. Certo sendo, sem dúvida, São
Paulo e, bem mais adequado, Nova-Iorque.
No dia seguinte abro a porta
a um homem baixo, forte, com bigodes. Uma caricatura, um clichê de mexicano. Só
lhe falta o amplo sombrero bordado. Durante a refeição, após conversar a
respeito de seus contatos com diversos antiquários, torna a me perguntar sobre
o desenho de Diego Rivera. Tomou a liberdade de trazer a preciosidade para me
mostrar. O preço? Quase nada... uns cem mil dólares. Uma pechincha. Eu não
estaria interessado? Faria um bom preço, pela gentileza do convite. Que tal cinqüenta
mil? Dez mil?... Mil dólares?
Começo a olhar o bigodudo com
uma ponta, uma pontinha só, de desconfiança. E me pergunto como meu amigo me
mandou aquele fantasista sem me prevenir do personagem.
No meio do rango, o
antiquário se levanta, vai pegar uma revista da qual sobressai uma folha maior
de papel. Logo vou falando: “Você vai estragar a obra! Por que não a colocou
numa pasta mais adequada? ” Visivelmente, a conservação de uma obra tão
significativa não parece preocupar meu convidado. Antes da sobremesa, ao lado
de meu prato com sobras de peixe, lá estava, sem a menor cerimônia, um desenho
colorido, devidamente assinada pelo maridão de Frida Kahlo. E com um discurso
algo surpreendente: “Como usted me ha recebido tan amablemente, le ofresco este
dibujo. Solo le pido que mande hacer un bello marco”.
Estou convencido de que
nenhum dos meus leitores jamais recebeu um presente de cem mil dólares- ou
mesmo mil que seja – como agradecimento de um simples almoço.
Depois do café, o homem com
aspecto de mariachi, teve a delicadeza de acrescentar: “Na verdade este belo
desenho é do atelier do maestro. Foi um ajudante que fez”. Estava tudo explicado.
Não esclareceu quem tinha assinado.
Assim que tenho, perdido em alguma
gaveta, um desenho de Diego Rivera, autenticamente falso. Vou ter que colocar
uma moldura. Quem sabe o antiquário mexicano volte um dia, com um recém pintado
Orozco ou um Siquieros para ampliar minha famosa coleção de falsos muralistas
mexicanos?...
Dimitri Ganzelevitch A Tarde, 03/10/2020
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