sábado, 3 de outubro de 2020

A AUTÉNTICA HISTÓRIA DE MEU DIEGO RIVERA


Deve haver uns oito anos, recebo e-mail de um velho amigo mexicano, o Cisco Jimenez (vale a pena dar uma olhada no Google) artista contemporâneo conceituado internacionalmente. Anunciava-me a vinda a Salvador de um antiquário conterrâneo. Viagem de negócio.

Poucos dias depois, o telefone toca. Era o tal. Voz alegre, comunicativa. Amigo de amigo, amigo é. Convido-o para almoçar em minha casa, convite que muito parece ter-lhe impressionado. Antes de desligar, pergunta-me se conheço alguém interessado em adquirir um desenho do Diego Rivera. Respondo que não me parece o mercado ideal para vender algo, mesmo modesto, do mestre do muralismo mexicano. Certo sendo, sem dúvida, São Paulo e, bem mais adequado, Nova-Iorque.

No dia seguinte abro a porta a um homem baixo, forte, com bigodes. Uma caricatura, um clichê de mexicano. Só lhe falta o amplo sombrero bordado. Durante a refeição, após conversar a respeito de seus contatos com diversos antiquários, torna a me perguntar sobre o desenho de Diego Rivera. Tomou a liberdade de trazer a preciosidade para me mostrar. O preço? Quase nada... uns cem mil dólares. Uma pechincha. Eu não estaria interessado? Faria um bom preço, pela gentileza do convite. Que tal cinqüenta mil? Dez mil?... Mil dólares?

Começo a olhar o bigodudo com uma ponta, uma pontinha só, de desconfiança. E me pergunto como meu amigo me mandou aquele fantasista sem me prevenir do personagem.

No meio do rango, o antiquário se levanta, vai pegar uma revista da qual sobressai uma folha maior de papel. Logo vou falando: “Você vai estragar a obra! Por que não a colocou numa pasta mais adequada? ” Visivelmente, a conservação de uma obra tão significativa não parece preocupar meu convidado. Antes da sobremesa, ao lado de meu prato com sobras de peixe, lá estava, sem a menor cerimônia, um desenho colorido, devidamente assinada pelo maridão de Frida Kahlo. E com um discurso algo surpreendente: “Como usted me ha recebido tan amablemente, le ofresco este dibujo. Solo le pido que mande hacer un bello marco”.

Estou convencido de que nenhum dos meus leitores jamais recebeu um presente de cem mil dólares- ou mesmo mil que seja – como agradecimento de um simples almoço.

Depois do café, o homem com aspecto de mariachi, teve a delicadeza de acrescentar: “Na verdade este belo desenho é do atelier do maestro. Foi um ajudante que fez”. Estava tudo explicado. Não esclareceu quem tinha assinado.

Assim que tenho, perdido em alguma gaveta, um desenho de Diego Rivera, autenticamente falso. Vou ter que colocar uma moldura. Quem sabe o antiquário mexicano volte um dia, com um recém pintado Orozco ou um Siquieros para ampliar minha famosa coleção de falsos muralistas mexicanos?...

                                                                                        Dimitri Ganzelevitch                                                                                            A Tarde, 03/10/2020

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