Sou de uma geração educada
com rigor militar, tanto do lado paterno anglo-russo como do lado materno
francês. Não me lembro do colo de minha mãe e muito menos de passeio guiado
pela mão paterna. De minhas avós pouco mais que um rápido beijo de boa noite. Cresci
e amadureci com tais estranhas carências, sem adivinhar quanto eram absurdas,
pois mesmo a leoa lambe seus filhotes e o jacaré carrega sua prole com infinita
delicadeza no terrível bocão. Menino tinha que cedo ser preparado para
enfrentar as agruras da vida, incluindo, ao sair da segunda guerra mundial,
alguma hipotética terceira guerra. Criança não fala durante as refeições. Tire
o cotovelo da mesa. Coma a sopa ou não terá sobremesa. Diga bom dia, boa noite,
por favor, obrigado. Não cruze as pernas.
Chegando ao Brasil, de
repente, entrei numa cultura comportamental radicalmente oposta. Tropicalismo
afetivo. A cultura do abraço, do beijo, do toque amistoso. Você ainda nem
cumprimentou a moça recém-apresentada e ela lhe permite beijar a bochecha.
Encontrou o sujeito na semana passada, conversou por dez minutos e hoje lá vem
ele com imenso sorriso e aquele abraço. Alguém pretende passar na multidão? É
só um leve toque com a mão, no braço ou no ombro alheio e a muralha se abre com
um pois não. Beijou a mão da senhora? Ela também beijará a sua.
Quantas pessoas terei tocado
no trabalho, na quitanda, no ônibus ou na saída do cinema, durante um dia
qualquer na Bahia? O efeito psicológico pode ser detalhado sem hesitação. Tocar
alguém é desarmá-lo de qualquer eventual hostilidade. É mais que um contrato de
não agressão: é uma promessa de amizade, por efêmero que seja o momento.
Tocar seu semelhante é
lembrar que somos humanos e gregários, frágeis e inseguros. Carentes também. Ô
quanto carentes!...Carentes de afeto, de compreensão, de perdão, de cumplicidade.
Existirá sempre dentro de nós a criança que pede colo para adormecer no aconchego
dos braços protetores. Tocando, descobrimos a sensualidade das texturas.
Mas tocar é muito mais que
romper barreiras. É também a prova maior de que somos vivos. Acompanhei os
últimos instantes de vida da minha mãe, durante uma longa noite de agonia.
Interminável silêncio, carregado de tantas coisas que se atropelavam na minha
tristeza, coisas que teria gostado de enfim poder falar. Mas era tarde demais.
O único cordão, tão tênue, que ainda nos unia era o calor de minha mão cobrindo
a sua, pássaro ferido e mudo, quase frio, sem mais força nem para mover um
dedo. Restava apenas a lenta pulsação das salientes veias azuis.
Nunca saberei se ela tinha
então consciência de nossa proximidade física. Nunca estivera tão perto dela
como naquela hora quando ela se afastava para muito longe, para sempre...
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde, Sábado10 de julho de 2021
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