Mergulhada numa orgia de plantas típicas do norte da África, era uma casa bonita, azulejada e bem cuidada no estilo colonial franco-marroquino dos anos 30.
Quando chegava a noite, depois dos fastidiosos deveres do
colégio, pegava minha bicicleta – a tal bicicleta vermelha - e me deixava levar
até a rua onde a casinha se escondia. O que me atraía por aquela vizinhança?
Era um imenso jasmim cujo perfume se espalhava pela metade
da rua na escuridão estrelada.
Altas muralhas do Alcazar de Sevilha, construído no apogeu
do domínio mourisco. Estamos no princípio do verão. A longa e estreita rua se
orgulha de seu imenso e centenário dossel de jasmim. Após longas horas batendo
perna em museus ou no parque de Maria-Luíza, não dispenso passear calmamente
nas pedras amaciadas por doze séculos de califas almorávidas, navegadores, cartógrafos,
ciganas e procissões. Entro no túnel do tempo. Nada aqui mudara desde a saída
do último sultão, nem mesmo com as intervenções de Carlos Quinto.
Uma charrete passa, alegre. Ruído metálico do trote dos
cavalos.
Perfume de serralho.
Jasmim do Topkapi Sarai de Istambul, dos pátios mexicanos, dos conventos sírios, das vermelhas falésias do Algarve...
A primeira coisa que fiz ao comprar minha casa no bairro de
Santo Antônio após arrancar toneladas de concreto de uma laje ofensiva, foi
encomendar uma caçamba de terra de Cachoeira e plantar um pé de jasmim trazido
da Quinta Pitanga, aquela extraordinária casa construída para piedosas donzelas
por Henriqueta Catarino em Itaparica a partir de um projeto mexicano.
O pezinho foi crescendo, crescendo e hoje chega, debochado, inebriante,
em forma de leque, até o terceiro nível da casa. Sombra amiga nos dias de
calor, pouso obrigatório para os cambacicas, jandaias, rolinhas, bem-te-vis e
beija-flores. Vez ou outra hospeda um casal de periquitos ou alguma cacatua
fugitiva. Lá em cima, voam gaviões e urubus.
Nas noites de mormaço anunciando as pesadas chuvas de abril,
vou deitar no útero da rede à beira do terraço. Contemplo as luzes do porto e
das ilhas, as estrelas. Morcegos dançam na escuridão. Balanço no ar úmido
cheirando a jasmim.
Retorno à adolescência, quando certas fragrâncias tinham
conotação indisfarçável de erotismo. O coração então batia mais forte, uma
tontura tomava conta da mente, as pernas perdiam força. Era difícil convencer os
pés a sair do lugar e arrancar o cavalo selvagem que se escondia nas plácidas
duas rodas da bicicleta.
Quando for enfim transformado em leves cinzas, quero-as
espalhadas à volta de meu pé de jasmim e, assim, alimentando suas raízes, reencontrar
a infância perfumada.
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde, 2 de outubro 2021