Minha avó
Annette, francesa pela mãe, inglesa pelo pai, chegou em Tanger com o marido russo
na alvorada do século XX. Lá viveriam o resto da vida, incluindo os anos de
chumbo da Segunda Guerra Mundial. Lá também passei uma parte de minha infância.
Longe da cidade, nossa casa de Mujaidine testemunhava faustos esquecidos, mas a
água era retirada de uma cisterna e não tínhamos eletricidade. De noite, após o
jantar, ir até meu quarto com a lâmpada a petróleo acompanhado por imensas
sombras que me seguiam pelas paredes do corredor era uma aventura atemorizante.
Nunca, porém encontrei nenhum monstro peludo debaixo de minha cama.
No domingo, a
avó me levava ao serviço religioso do pequeno templo protestante. Tédio dos
sermões e dos cânticos. O melhor era, antes de voltar para casa, a visita à
confeitaria Porte e ao guloso mergulho nas suas delicadas delicias. O caminho para
Mujaidine seria mais alegre e mais curto.
Uma vez por
mês, Frau Gössling nos esperava para o chá. Morava do outro lado da cidade.
Íamos a pé até o centro. Só então encontraríamos um coche para nos levar até a
bela casa da velha alemã, com torre, arcada e varandas, escondida num imenso
jardim. Minha avó sempre fez questão de manter a amizade, apesar de nossos
países estarem em guerra.
A sala onde
nos esperava Frau Greta ficava no primeiro andar ao qual acendíamos por ampla
escada de mármore. Ao longo da parede, armas medievais e, em cada patamar, uma ameaçadora
armadura de cavalheiro. O que mais pode desejar um garoto de seis ou sete anos
senão subir degraus de romance de capa e espada?
As duas
senhoras saboreavam o chá com biscoitinhos e alguma fatia de torta enquanto eu
– taça de chocolate - era autorizado a investigar um universo misterioso que
poucos anos mais tarde seria minha referência imaginária ao ler Os três
Mosqueteiros e O Conde de Montecristo. Havia também o magnífico pastor alemão
que gostava de brincar comigo.
Entretanto o
papo ia firme entre as velhas senhoras. A cidade inteira passava pelo crivo moralizante
galo-teutônico. O escândalo da esposa do cônsul da Grécia, o divórcio do
advogado do governador e a venda da mansão do príncipe de C. Vez ou outra uma
risadinha comportada, um leque abanado, mais um biscoitinho?
O Tout-Tanger
enfim reduzido a um monte fumegante de fofocas, algumas divertidas, outras
escabrosas, Frau Greta pedia a seu motorista para nos levar até Mujaidine.
Mas daquela
vez, durante a viagem de regresso, minha avó dava umas discretas risadinhas por
trás de suas luvas. Chegando em casa, correu até o marido para lhe contar a
última da velha alemã. No calor das confidencias indiscretas, ter-lhe-ia
sussurrado: “Melhor falarmos mais baixo, porque meu cão compreende
absolutamente tudo! ”
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde, sábado 27 de
novembro 2021
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