segunda-feira, 15 de novembro de 2021

PASQUALINO MAGNAVITA

O arquiteto de 91 anos que é um dos maiores pesquisadores da Ufba



Em 2020, completou 61 anos de Ufba – exatamente o mesmo aniversário que a Faculdade de Arquitetura

A primeira surpresa veio logo no email de resposta. Em seu texto, o professor Pasqualino Magnavita explicava como poderia atender ao pedido de entrevista do CORREIO. Informava que morava em Itaparica, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), e que, mesmo aos 90 anos, continuava lecionando no Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Hoje, em 2020 e já com 91 anos, o professor Pasqualino é o mais longevo dos pesquisadores com produtividade 1A da Ufba. Talvez seja um dos mais antigos, inclusive, de toda a Ufba – pelo menos em atividade, ainda que seja aposentado desde 1995. Para continuar o ritmo, antes da quarentena pela pandemia do novo coronavírus, que suspendeu aulas na instituição, pegava o ferry-boat uma vez por semana para vir a Salvador.

Na resposta, ele explicou que preferia dar entrevista por email. Enviou, alguns dias depois, um arquivo de 11 páginas. Em alguns momentos, cita Michel Foucault e Jean Baudrillard, além de inúmeros conceitos da filosofia. Os livros de filósofos, explica, o atraíram desde a adolescência.

“Pesquisar depende muito da forma de pensar e, de fato, este objetivo foi minha permanente preocupação existencial”, explicou, referindo-se ao seu interesse pela pesquisa. Em 2019, completou 60 anos de Ufba – exatamente o mesmo aniversário que a Faculdade de Arquitetura (Faufba).


 (Foto: Marina Silva/CORREIO)

Quando começou a trajetória acadêmica, em 1947, não existia Faufba. O curso era ligado à Escola de Belas Artes.  Fez, naquela época, Engenharia Civil. Por isso, em 1952, um ano após se formar, se inscreveu para estudar Arquitetura na Universidade de Roma. Retornou a Salvador cinco anos depois para trabalhar profissionalmente e se envolver diretamente com a futura Faufba. 

A história do professor confunde-se com a própria história da faculdade. Lá, tornou-se uma figura icônica. “Os suspensórios são a marca dele”, contou uma orientanda que o acompanhava no dia em que encontrou a equipe do CORREIO para ser fotografado. Os acessórios, que adotou há uns 30 ou 40 anos para substituir o tradicional cinto, vinham com uma calça amarela presa com uma corrente de metal e tênis esportivos. Nos cabelos, um nó formava um coque baixo despojado. 

Nada, em sua figura, parecia com o estereótipo de um senhor nonagenário. Subia e descia as escadas da faculdade com a disposição de alguém que faz exercícios físicos duas vezes por semana. Talvez a receita para a jovialidade seja a morada em Itaparica; talvez seja o contato constante com o conhecimento. 

O professor Pasqualino é um dos fundadores da Faufba
(Foto: Marina Silva/CORREIO)

“A vida no sentido informal foi sempre, para mim, um campo de indagação, particularmente, no universo conceitual da filosofia e na dimensão perceptiva e afetiva da arte, pois, sempre considerei intuitivamente a filosofia como matriz da forma de pensar, o lugar onde o pensamento se orienta e a arquitetura como universo da arte”, disse.

As mudanças de rotina, garante, não têm prejudicado a pesquisa sobre a chamada neuroarquitetura – campo que une os estudos da neurociência com a arquitetura. “Conto com mais tempo disponível. Inclusive, estou elaborando um texto sobre Geofilosofia e Geopolítica em tempos de pandemia”, adiantou, poucos dias antes da publicação deste especial.

Doutores
Filho de italianos – o pai chegou na Bahia em 1898, aos 14 anos -, o professor Pasqualino teve 13 irmãos. O objetivo de seu pai, que trabalhou como agrimensor e comprou um terreno onde plantava cacau para sustentar a família, era que seus filhos estudassem. Queria que fossem “doutores”, como não tivera a oportunidade de ser. 

De fato, vieram doutores na família. A irmã mais velha foi uma das fundadoras da Faculdade de Filosofia, Língua e Literatura Italiana enquanto outros três irmãos foram professores da Ufba. Duas sobrinhas e um sobrinho, já aposentados ou em aposentadoria, também foram docentes na instituição. 

“Muitos de meus intercessores, filósofos, cientistas e artistas enquanto agenciamentos coletivos, me influenciaram bastante, contudo, não sei até que ponto, os meus entendimentos teóricos e as minhas atividades práticas repercutiram plenamente nas pessoas com as quais convivi”.

Até a década de 1970, não havia pesquisadores doutores formados no Brasil. O seu doutorado, inclusive, foi concluído na Universidade de Roma, em 1964. Isso o habilitou para participar da banca de seleção dos primeiros doutores na área no país, na Universidade de São Paulo (USP). 

Na Bahia, o mestrado só foi criado em 1983, coordenado por ele. O doutorado, por sua vez, apenas em 2000. Anos antes, em 1974, criou, com colegas o grupo de pesquisa chamado Núcleo de Estudos de Habitação. Mais tarde, o grupo seria responsável por avaliar diversos conjuntos habitacionais do Banco Nacional de Habitação em bairros populares de Salvador. 

Os suspensórios são a marca dele; usa há mais de 30 anos
(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Ainda nos tempos da Engenharia, se encantou por dois grandes temas: a Psicanálise e a Teoria da Relatividade. A ida à Itália, que aconteceu nos anos seguintes à Segunda Guerra Mundial, fez com que tivesse contato com movimentos sociais inspirados na União Soviética. Foi ali que aconteceu o que chama de sua “primeira e grande desterritorialização”: passou a frequentar o Instituto Cultural Antonio Gramsci, que levou-o à forma de pensar do materialismo histórico e dialético, conceitos marxistas. 

“O interesse pela produção de arquitetura e arte de interesse social marcaram, então, as minhas subsequentes atividades teóricas e práticas no magistério universitário. E isto (ocorreu) com maior intensidade a partir dos atos institucionais que desrespeitaram os direitos civis com a implantação em 1964 do regime militar”, explicou. 

Durante a ditadura, viu disciplinas como a Composição Arquitetônica e Filosofia da Arquitetura passarem a ser chamadas de Planejamento e Teoria, respectivamente – as mudanças foram parte de uma reforma após acordos negociados entre o Ministério da Educação (MEC) e a United States Agency for International Development (USAID) na ditadura militar. Naquele momento, despertou para as edificações de interesse social, sempre relacionadas a temas como habitação, saúde e educação. 

O pensamento filosófico está presente em seus projetos de pesquisa. O mais recente, de 2016 para cá, usa justamente os conceitos de diferença e repetição no plano de imanência filosófico do pensamento rizomático. Tudo isso no âmbito da teoria e da crítica da Arquitetura contemporânea. 

Na Filosofia, de acordo com os pensadores Gilles Deleuze e Félix Guattari, o rizoma é um conceito inspirado na Biologia. Assim, o pensamento rizomático é aquele que se abre como raízes. É um pensamento aberto para experimentações e se espalha em todas as direções.

“Trata-se de uma pesquisa que envolve as três formas de pensar e criar: Filosofia, Ciência e Arte, pois, elas se cruzam, se entrelaçam e fazem do pensamento uma Heterogênese. O enfoque maior é reservado à questão da criatividade, pesquisando as condições dos ‘territórios existenciais’ das subjetividades tanto a individual quanto a coletiva”, diz a descrição.

Ele não pretende parar: após o fim dessa bolsa, o plano é solicitar outra
(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Aposentadoria

Para muita gente, a aposentadoria poderia ser sinônimo de descanso. De lidar com outros aspectos da vida que não o trabalho formal. No entanto, mesmo entre tantos colegas da Ufba que, mesmo aposentados, continuam a todo vapor na pesquisa, o caso de professor Pasqualino se destaca. 

Em 1995, decidiu se aposentar, aos 65 anos de idade. Na época, o então presidente Fernando Henrique Cardoso tinha enviado uma proposta de reforma da previdência ao Congresso Federal. Aprovada três anos depois, a Emenda Constitucional 20 determinou a troca de tempo de serviço pelo tempo de contribuição. 

Foi assim que os homens passaram a poder se aposentar depois de 35 anos de trabalho. Com as mulheres, o prazo foi de 30 anos. Só que, nesse contexto, muitos professores passaram a pedir aposentadoria – incluindo o professor Pasqualino. 

(Foto: Marina Silva/CORREIO)

Quando completou 70 anos, solicitou a obtenção do nível 1A em produtividade pelo CNPq. Desde 1988, participava como membro do Comitê Assessor do órgão, avaliando, inclusive, programas de pós-graduação. 

A classificação aconteceu em 2003. Para ele, foi consequência natural, ainda que – como destaca em suas respostas – estivesse “ciente de que as inovações filosóficas e a produção arquitetônica como pesquisa sensorial/especial (perceptiva e afetiva), como arte” não viesse tendo acolhimento no órgão federal. 

“Vale salientar que, progressivamente, através da micropolítica da subjetivação, venho ‘dissolvendo’ o Eu e a Competição e evidenciando ‘Anonimato’ como princípio (embora ainda utópico), e cada vez mais, estou apostando no Nós e na Cooperação, socializando, assim, a existência!”, exclamou.

Para continuar ensinando na Faufba, solicitou a bolsa de produtividade ao CNPq pela primeira vez. Na época, já ensinava no mestrado e já tinha “timidamente” publicado alguns artigos. Até então, a publicação não era exigência. De lá para cá, começou a produzir artigos e teve nove projetos apresentados e aprovados ao CNPq. 

Os primeiros oito geraram 24 artigos e 14 capítulos de livro. “A minha previsão é publicar um livro ainda este ano, comemorando os meus 90 anos e outro no final da atual bolsa”, adiantou. Sua bolsa atual vai até o fim deste ano e não pensa em parar. Já avisou: “se a saúde mental e corporal permitir”, fará um novo projeto e vai pedir a renovação.


“Não é somente você resistir. A resistência tem que ser criativa”, afirmou o professor Pasqualino Magnavita, em um depoimento para as comemorações do aniversário de 70 anos da Ufba, em 2016

Formação acadêmica, de acordo com o Lattes 

  • 1952 – 1964
    Doutorado em Arquitetura – Universidade de Roma, U.R., Itália. 
  • 1947 – 1951
    Graduação em Engenharia Civil – Ufba

Produtividade em números

17

mestres orientados

19

doutores orientados

2

orientação de mestrado em andamento

8

orientações de doutorado em andamento

20

artigos completos publicados em periódicos

15

capítulos de livros publicados

3

textos em jornais de notícias/revistas

1

orientação de Trabalho de Conclusão de Curso de graduação concluída

27

trabalhos completos em anais de congressos

36

apresentações de trabalho

4

outras produções bibliográficas

15

participações em bancas de mestrado

18

participações em bancas de doutorado

5

participações em bancas de concurso público


 COMENTÁRIO DO BLOGUEIRO  O professor Pasqualino Magnavita foi sempre um intelectual politicamente engajado Isso lhe valeu a hostilidade do governador Antônio Carlos Magalhães que recusou a realização do projeto de palco móvel no Largo do Pelourinho, projeto ambicioso que foi objeto de artigos em várias revistas internacionais especializadas.

Os tempos mudaram. Veio o PT. Aos oito anos de Jaques Wagner, sucederam os oito de Rui Costa.

Quem disse que alguém dos dois se interessou em realizar o Palco Móvel?

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