Ópera Garnier em Paris
Ópera Garnier em Paris. Em 29 de dezembro de 1860 através de um decreto ministerial de utilidade pública foi aberto um concurso arquitetônico para a construção de uma nova Ópera de Paris para substituir a antiga e a inconveniente Ópera Le Peletier, onde o imperador Napoleão III e esposa sofreram um atentado em 14 de janeiro de 1858.
História da Ópera Garnier.
Entre 171 projetos, o escolhido foi o desconhecido e jovem arquiteto de 36 anos, Charles Garnier (1825-1898) que até aquele momento ainda não havia construído nada de grande importância, mas tinha em seu currículo um importante prêmio de arquitetura em 1840, em Roma, Itália.
Questionado sobre suas chances de ganhar respondeu um pouco antes de sair o resultado: “J’ambitionne beaucoup, mais j’espère peu” (tradução: “Sou bastante ambicioso, mas espero pouco”).
Charles Garnier foi declarado vencedor por unanimidade do júri contra importantes nomes da arquitetura como: Charles Rohault de Fleury (1801-1875), arquiteto oficial dos monumentos de Paris e principalmente Eugène Viollet-le-Duc (1814-1879), arquiteto favorito da imperatriz Eugénia (esposa de Napoleão III), muito conhecido por suas restaurações em diversas construções medievais pela França, castelos, fortes e igrejas (Catedral de Notre-Dame de Paris).
Construída entre 1862 e 1875 para satisfazer os prazeres luxuosos exigidos pela classe aristocrática de Paris e principalmente de servir como propaganda política de Napoleão III (1852-1870), que após o atentado precisava reforçar sua soberania e seu poder imperial.
Garnier, jovem artista romântico concentrou toda sua energia, criatividade e seus talentos acadêmicos ao serviço desse projeto na qual dedicou-se 14 anos de sua vida (1861-1875) finalizando como uma proeza arquitetônica e determinante para história universal, realizando assim uma das óperas mais belas do mundo, copiada (e/ou inspirada) por arquitetos de vários países.
Conhecida como Ópera de Paris passou a ser chamada como Ópera Garnier (ou Palácio Garnier) para ser diferenciada da outra monumental Ópera de Paris chamada Ópera da Bastilha, inaugurada em 13 de julho de 1989.
A localização da área para construção dessa nova Ópera aproveitou-se das grandes reformas urbanas de Paris realizadas pelo Barão Haussmann (1809-1891), prefeito da cidade que haviam sido começadas em 1852.
Muito bem pensada pois ficou estrategicamente próxima ao Palácio das Tulherias e ao Museu do Louvre ligada somente por uma nova avenida chamada Avenue Napoléon (homenagem ao próprio), mas rebatizada em 1873 como: Avenue de l’Opéra.
Uma avenida sem arborização pensada justamente para não comprometer a perspectiva da Ópera e larga o bastante para passagem de tropas militares em casos de revoltas populares contra o imperador.
Os trabalhos só começaram em 21 de julho de 1862, quando foi colocada a 1° pedra pelo conde Alexandre Colonna Walewski (1810-1868), filho legítimo de Napoleão Bonaparte I (1769-1821) com sua amante a polonesa a condessa Marie Walewska (1786-1817). Foi também presidente do júri do concurso que declarou Garnier vencedor.
Mas as obras só foram terminadas em 1875, por diversos fatores alheios a vontade Garnier. Por problemas administrativos, políticas e financeiros (exemplo: custo global da obra bem mais alto do que o estimado no início do projeto pelo próprio Garnier).
Além de problemas técnicos, Charles Garnier em 1861 quando começou a trabalhar nas fundações do edifício não esperava descobrir um terreno úmido e pantanoso. Para lutar contra a infiltração de água ele primeiro pensou em usar bombas, sem sucesso, depois passou para um outro sistema que também foi um fracasso.
Até surgir a ideia de construir um reservatório de concreto impermeável. Inacessível ao público essa piscina subterrânea repleta de carpas e outros peixinhos tem uma dupla função; reserva de água para os bombeiros de Paris, em caso de incêndio da Ópera e base estrutural do conjunto da obra.
Essa história deu origem a lenda de um lago subterrâneo alimentado por um rio que leva o nome de “Grange-Batelière“, relatado no romance “O Fantasma da Ópera“(1909), de Gaston Leroux (1868-1927).
Outro fator de demora para finalizar a obra foi uma longa paralização durante a guerra franco-prussiana (1870 a 1871), onde uma área da Ópera foi reservada como depósito de mantimentos para os soldados e depósito de fenos para cavalos. Como consequência os recursos foram desviados para construção do novo hospital de Paris o “Hôtel-Dieu”.
E por último com o fim do regime imperial de Napoleão III em 1870, todos problemas da finalização da obra ficaram para serem resolvido por Garnier e os novos dirigentes republicanos.
Foi no 2° Império com Napoleão III que começou a construção, mas foi na Terceira República que a Ópera Garnier foi inaugurada em 5 de janeiro de 1875 pelo presidente Patrice Mac-Mahon (1873-1879) com a presença do lorde-prefeito de Londres, do rei da Espanha, Afonso XII (1874-1885), a rainha-mãe Isabel II de Espanha (1830-1904) e mais 2 mil pessoas vindas de toda Europa.
Os espetáculos apresentado nesse dia foram:
- “La Muette de Portici”, de Auber (1782-1871). Abertura;
- “La Juive”, de Halévy (1799-1862);
- “L’ouverture de Guillaume Tell”, de Rossini (1792-1868);
- “La Bénédiction des poignards des Huguenots”, de Giacomo Meyerbeer (1791-1864);
- “La Source”, balé de Léo Delibes (1836-1891).
Por incrível que pareça Charles Garnier não foi convidado para inauguração da sua obra, pois líderes do novo governo o achavam ainda muito ligado ao antigo regime e a política imperialista de seu amigo e falecido Napoleão III (1808-1973). Sua presença somente aconteceu porque ele mesmo comprou discretamente um camarote no 2° nível.
A ingratidão do governo contra Garnier entretanto foi recompensada na saída do espetáculo, pois ao ser reconhecido na grande escadaria foi ovacionado e aplaudido por uma multidão de pessoas como um verdadeiro “Star” e herói. Para ele foi uma noite de glória, reconhecimento público e de triunfo pessoal.
A Grande Escadaria.
No programa arquitetônico de Charles Garnier, a grande escadaria foi pensada para ser o verdadeiro coração do teatro. Seguindo o modelo do teatro de Bordeaux, ele desenvolveu uma estrutura monumental de 30 metros de altura para uma escadaria em mármore branco, com rampas policromadas em mármore e dupla revolução. De cada lado há escadas secundárias que levam aos vestíbulos e aos diferentes andares do espetacular salão.
Cercada por grandes arcos sustentadas por colunas duplas e quadruplas, galerias que se abrem no vazio central da escadaria, oferecendo sacadas de várias colorações de mármore feitas para apreciar o desfile dos espectadores nos degraus (palco dos espectadores). Um teatro antes do outro grande teatro (plateia e cena).
O lindo colorido de pedra é reforçada por uma forte iluminação dourada fornecida pelos grandes candelabros de ferro fundido. O conjunto todo da Ópera é uma verdadeira propagando da indústria mineralógica do Império Francês. Um trabalho original pensada para uma sociedade elitista, onde Charles Garnier teve que contar com grandes pintores e renomados escultores, bem com uma equipe especializada de trabalhadores e artistas da França.
O projeto completo esconde uma tecnologia de vanguarda reunindo pinturas, esculturas e artes decorativas no mesmo conjunto arquitetônico. Imaginado com um “Templo das Artes”, o expectador ao penetrar pela escadaria, abandona o mundo terrestre muitas vezes cruel, triste e sem divertimentos, para embarcar num mundo de sonhos, festas, fantasias, riquezas e belezas efêmeras como descrito no paraíso.
A Grande Sala.
Coração do teatro, Garnier depois de estudar todas as principais salas da Europa concluiu que o desenho da sala em forma de ferradura era a melhor solução para se ter uma boa visão do palco em qualquer lugar da plateia, dos camarotes e ter a melhor acústica.
A cor avermelhada dos assentos foi especialmente escolhida para dar mais brilho e rejuvenescimento nos rostos femininos. E por todos os lados pinturas em tons ocre e dourados sobre as decorações ornamentais de estuques e gessos.
Decorações essas que apesarem de serem discretas complementam a harmonia da cena representada pelos cantores e dançarinos do momento.
Pintura do teto.
A pintura original do teto realizada em 1872, por Eugène Lenepveu (1819-1898), representava “O triunfo da beleza” com o tema: “Les muses et les heures du jour et de la nuit“.
Em 1960, a pedido do Ministro da Cultura, André Malraux (1901-1976), o teto de Lenepveu foi encoberto por pinturas coloridas de Marc Chagall ((1887-1985), representando 14 grandes compositores de óperas e balés (ler artigo aqui).
A intervenção de Chagall foi considerada para muitos, uma ruptura com a arquitetura eclética de Garnier, mas ao mesmo tempo a beleza da obra deu continuidade para harmonia da sala, onde tudo ficou mais vibrante, puro, intenso, onde o real e o imaginário se encontram juntos e sem limites.
O lustre.
O lustre de 7 toneladas de bronze e cristal e 340 lâmpadas (antigos bicos de gás) foi desenhado por Garnier e modelado por Jules Corboz (?-1901).
Durante dois anos foi objeto de muita polêmica e bastante criticado por obstruir a vistas do palco nos expectadores sentados nos camarotes mais alto de prejudicar a acústica ambiente e de impedir a visão das pinturas de Eugène Lenepveu, no teto.
Garnier já prevendo essa reação quando apresentou o seu projeto fez uma brilhante defesa em 1871, incluída no seu livro “Le Théâtre” conseguiu como muita astúcia a aprovação da maioria dos membros da comissão administrativa da construção da Ópera. Instalada em 1874, o lustre inegavelmente hoje contribui para magia do lugar e do espetáculo.
Em 20 de maio de 1986, quando 2 mil pessoas assistiam a Ópera-Balé “Hellé“, do compositor francês Étienne-Joseph Floquet (1748-1785), um dos oito contrapesos de 750 kg, que sustentavam o lustre despencou caindo sobre o camarote de n°4, poltrona 11 e 13, matando uma senhora e fazendo muitos feridos por causa do pânico das pessoas. Quanto ao lustre, nem se mexeu.
Esse acontecimento inspirou o escritor Gaston Leroux (1868-1927), no seu livro: “O Fantasma da Ópera” (1909), o balé “Le Fantôme de l’Opéra” (1980), musicado por Marcel Landowski (1915-1999) e coreografado por Rolando Petit (1924-2011) e versões para o cinema, televisão, desenhos animados, musicais e teatro.
“Le Grand Foyer”.
Charles Garnier se inspirou para idealizar “Le Grand Foyer” (Grande Galeria), no projeto de Charles Le Brun (1619-1690), realizado para Galeria dos Espelhos, no Castelo de Versalhes.
Um impressionante salão com 54 metros de comprimento por 13 de largura e 18 de altura calculado a partir da capacidade da sala da Ópera e do número de espectadores que provavelmente frequentariam o “Foyer” no intervalo. O jogo de janelas e espelhos alternados acentuam ainda a vasta dimensões do ambiente.
A tonalidade da pintura dourada nas paredes, cornijas, colunas e detalhes do teto criaram um ambiente de sofisticação e muito luxo. A iluminação onipresente e moderada por dez lustres em cobre dourado e verniz inglês foram instaladas de maneira para a serem vistas pelas pessoas que transitam pela Avenida da Ópera.
Originalmente, o Grand Foyer nas salas de teatros eram reservado aos homens mas essa tradição foi quebrada no dia da inauguração pela rainha-mãe da Espanha, Isabel II (1830-1904) que fez questão de visitá-la. Desde então passou a ter uma frequentação constante entre as mulheres.
Com o passar do tempo, a galeria se tornou o principal local de encontros e caminhadas dos espectadores durante os intervalos dos espetáculos. Hoje é muito usada como salão de recepção, em desfiles de moda, festas de casamentos e outras comemorações.
As 33 pinturas do teto, de Paul Baudry (1828-1886) foram realizadas durante 9 anos em seu ateliê em Paris (de 1866 a 1874). Para compô-las nos 500 m² de área, Paul Brady viajou para Roma em 1864 para estudar os afrescos de Michelangelo (1475-1564) na Capela Sistina (Vaticano), as pinturas de Annibale Carracci (1560-1606), no Palácio de Farnésio e outros locais da Europa.
O painel central evoca a “Música” o da esquerda a “Comédia” (lado rue Auber) e à direita “Tragédia” (lado Place Jacques Rouchés). Estão rodeado por 8 painéis representando “As Musas”, entidades da mitologia grega que possuem a capacidade de incentivar a criação artísticas e científicas. Fechando o conjunto com 10 medalhões sobre o tema da “Música”.
Fachada Principal.
A fachada principal (lado sul) foi trabalhada por Garnier como palco e cenário do espetáculo e a Praça da Ópera em frente, sua plateia. Além de integra-se também na perspectiva da avenida. Ela tem uma importante função de romper com o mundo ordinário trazendo o espectador para um mundo extraordinário de luxo, riquezas, sonhos e fantasias convidando assim todos a entrarem como atores numa peça imaginária.
A missão da fachada portanto e atingir a alma e o coração das pessoas, com encantamentos decorativos, para entrem cem conexão com magia de uma Ópera. Constitui de certa forma, o manifesto do artista. Seu layout e proporções acadêmicas, bem como sua rica policromia, expressam em uma síntese hábil, a própria essência da arquitetura eclética.
O próprio Garnier escolheu os 14 pintores, os mosaicistas e os 63 escultores, para participar da ornamentação da fachada, incluindo a polêmica obra de Jean-Baptiste Carpeaux (1827-1875), chamada “A Dança” (1869) que devido a nudez dos personagens foi vandalizada em agosto de 1869 e transferida em 1964 para o Museu do Louvre e depois em 1986, para o Museu d’Orsay.
Na fachada atual da Ópera Garnier foi instalada em 1964, uma cópia realizada pelo escultor Jean Juge (1898-1968) e Paul Belmondo (1898-1982), pai do famoso ator Jean-Paul Belmondo (1933-2021).
Coroamento do telhado.
No alto do telhado da parte posterior da Ópera que se encontra acima da cúpula em forma de coroa da imperatriz Eugénia de Montijo (1826-1920) esposa de Napoleão III, estão representado três esculturas em bronze realizado em 1869, por Aimé Millet (1819-1891), onde vemos Apolo, no centro acompanhado das alegorias da Música e Poesia.
Apolo com os ombros cobertos por uma capa amarrada no pescoço caindo nas costas levanta com as suas duas mãos uma lira dourada, acima da cabeça (símbolo da canção, poesia e música).
Poesia sentada (à direita) vestida completamente tem a cabeça levemente inclinada para Apolo segurando uma caneta com a mão direita levantada pronta para escrever numa prancha segurada pela mão esquerda.
Música (à esquerda) com a cabeça levemente para baixo está sentada com a perna direita dobrada segurando com as duas mãos mão um tambor basco (pandeiro). Está vestida com a túnica laconiana cortada; as pernas nuas e sandálias de curtume.
Millet levou quase 18 meses para executar essa composição colossal. O conjunto é eletrificado contra pousos de pássaros (principalmente pombas) e a Lira serve também como para-raios.
Arquitetura da fachada.
A fachada substitui a desordem de nosso mundo por uma arquitetura de ordem clássica inspirada no mundo grego e romano.
Garnier inspirou-se para para desenhar o arcos centrados do nível térreo da fachada da Ópera, no “Palácio da Marinha” (1768), atual Museu da Marinha, obra do arquiteto Jacques-Ange Gabriel (1698-1782), localizada na na Praça da Concórdia, em Paris.
Para o 1° andar, Garnier se inspirou na obra-prima do classicismo francês, nas Colunatas do Louvre (1668), de Claude Perrault (1613-1688).
Um projeto misturado como duas caraterísticas clássicas e outros elementos arquitetônicos dos estilos; barroco francês, renascimento francês, italiano… Construídos por materiais inovadores, o ferro, vidro, zinco…
O resultado foi um estilo confuso, eclético e sem denominação, mas batizado por Garnier como: “Estilo Napoleão III“, Resposta que deu a Eugénia de Montijo (esposa do imperador), sobre que estilo que havia adotado. Uma resposta que a deixou satisfeita e que certamente o ajudou a vencer o concurso.
Conclusão.
Bem antes da psicologia moderna, Garnier soube influenciar nos humores e nos comportamentos das pessoas, através de uma arquitetura majestosas de cores impactantes estudada a fundo, desde o conforto das poltronas, segurança, ventilação, aquecedores internos. O monumento envolve o espectador de uma forma,que os transforma em atores e membros do espetáculo.
A Ópera Garnier inspirou bem outros teatros pelo mundo, mas também as construções das grandes lojas de departamentos, como Le Bon Marché(1869), Le Printemps (1883), Galeries Lafayette (1912), monumentos como o Grand Palais (1900) e o Palácio do Trocadero (1878), demolido em 1835.
Uma outra caraterística da Ópera que marcou profundamente sua história para posterioridade foi a funcionalidade de cada espaço. Tantos os volumes externos, quanto os ambientes internos foram projetados com funções específicas; entrada exclusiva para charretes coberta para os frequentadores habituais (vips), salões privativos, salas administrativas separado do lado público, galerias de circulações…
Uma grande novidade que tornou-se moda posteriormente foi a instalação do 1° elevador hidráulico ativado por água, num local público.
O sultão Aga Khan III, (1877-1957), amante de óperas e frequentador assíduo da Ópera Garnier, que devido a problemas de obesidade financiou esse elevador particular para poder chegar ao seu camarote que se encontrava 2° andar.
Depois de ter ficado parado por mais 40 anos, seu sistema hidráulico foi modernizado, voltando a funcionar publicamente em 2009 para cadeirantes e portadores de algum deficiência física.
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Fontes:
- “Histoire de l’architecture classique en France : le xixe siècle”, de Louis Hautecœur. Ed. Picard, Paris (1946).
- “Dictionnaire historique des rues de Paris”, de Jacques Hilliret, (Ed. Les éditions de minuit, 1985).
- “Opéra Garnier”. Wikipédia língua francesa.
- “Art Lyrics”. Site internet.
- Tom Pavesi Guia Conferencista
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