quarta-feira, 1 de junho de 2022

A VOLKSWAGEN DO HITLER

 'Chegaram a ser amarrados em árvores e mantidos por dias apanhando e sendo torturados', diz procurador sobre investigação de trabalho escravo pela Volkswagen durante ditadura

Por Walder Galvão e Pedro Alves, g1 DF



Duas pessoas caminham próximas a uma casa — Foto: MPT/Divulgação

Duas pessoas caminham próximas a uma casa — Foto: MPT/Divulgação

O procurador do Ministério Público do Trabalho (MPT), Rafael Garcia Rodrigues, conversou com o g1, nesta segunda-feira (30), sobre a investigação que apura trabalho escravo e tráfico de pessoas pela Volkswagen, em uma fazenda no Pará, durante a ditadura militar no Brasilentre as décadas de 1970 e 1980.


    O caso veio à tona no fim de semana, após a publicação de reportagens por veículos da imprensa alemã: a televisão pública ARD e o jornal Süddeutsche Zeitung. Segundo o procurador, no dia 14 de junho próximo, o MPT deve se encontrar com representantes da empresa para discutir a responsabilização por violações de direitos humanos.


    "A vida deles estava nas mãos dos que os empregavam. Eles narram que foram mortos tentando fugir e que chegaram a ser amarrados em árvores e mantidos por dias apanhando e sendo torturados", diz o procurador do MPT.

     

    Em nota, a Volkswagen disse que "reforça seu compromisso de contribuir com as investigações envolvendo direitos humanos de forma muito séria". A empresa informou ainda que "não comentará o assunto até que tenha clareza sobre todas as alegações".

    Segundo Rafael Garcia Rodrigues, centenas de pessoas viveram em um local de "absoluta inexistência do estado brasileiro". O procurador aponta ainda que "os trabalhadores viviam sem as mínimas condições de higiene, saúde e segurança".

    O representante do Ministério Público do Trabalho falou ao g1 sobre as seguintes questões:

    1. Surgimento da investigação
    2. Recrutamento dos trabalhadores
    3. Relato das vítimas
    4. Responsabilização da empresa

    Leia a entrevista


    g1 - Como surgiu essa investigação?


    Rafael Garcia Rodrigues - Em 2019, o padre Ricardo Rezende, que foi coordenador da Comissão Pastoral da Terra, na Região Sul do Pará, entre as décadas de 1970 e 1980, encaminhou uma vasta documentação, reportando tudo o que ocorreu naquela época, na fazenda da Volkswagen. Então, tendo em vista a complexidade do caso, se constituiu um grupo de trabalho no MPT para fazer essas investigações.


    g1 - A partir da descoberta, o que foi feito?


    Rafael Garcia Rodrigues - Até o presente momento, levantamos uma série de documentos em acervos públicos e privados. Realizamos uma série de articulações com entidades da sociedade civil e com universidades brasileiras para subsidiar nossos trabalhos.

    No fim, concluímos que existem provas suficientes para caracterizar a responsabilidade da Volkswagen para as graves violações dos direitos humanos no período da década de 70 e 80, no sul do Pará.


    g1 - Como esses trabalhadores chegavam à fazenda?


    Rafael Garcia Rodrigues - O trabalho que era feito era o da derrubada da Floresta Amazônia e da limpeza de pasto. A Volkswagen contratava empreiteiros, chamados popularmente de "gatos", para recrutar trabalhadores. Eles abordavam os trabalhadores de toda região, prometendo condições excelentes de trabalho.

    Rotina de violência

    Seis pessoas sentadas na área de uma casa — Foto: MPT/Divulgação

    Seis pessoas sentadas na área de uma casa — Foto: MPT/Divulgação

    g1 - Como era a realidade da fazenda?


    Rafael Garcia Rodrigues - Ao chegaram no local, os trabalhadores descobriam que, na realidade, permaneceriam em abrigos totalmente insalubres, sem as mínimas condições de higiene, segurança e saúde. Eles não tinham acesso à comida, água fresca, ou auxílio médico.


    "Adoecimentos eram frequentes, principalmente por malária, o que deixou sequelas permanentes em alguns. Outros morreram".

    Oito pessoas conversam na área de uma casa — Foto: MPT/Divulgação

    Oito pessoas conversam na área de uma casa — Foto: MPT/Divulgação

    g1 - Os trabalhadores podiam deixar o serviço?


    Rafael Garcia Rodrigues - Os trabalhadores ficavam impedidos de sair do trabalho. Eles não podiam sair da fazenda, porque estavam sob vigilância armada.

    A única forma de sair era no esquema do pagamento de dívida, que é conhecido como barracão. Funcionava da seguinte forma: o trabalhador vai se endividando porque tem que comprar todo material para sua sobrevivência do empregador. O resultado é nunca conseguir pagar as próprias dívidas e nunca conseguir sair de lá. É o que caracteriza trabalho escravo.


    g1 - Que tipo de violências essas pessoas vivenciaram?


    Rafael Garcia Rodrigues - Os trabalhadores narram diversas violência. Era um local de absoluta inexistência do estado brasileiro. A vida deles estava na mão dos que os empregavam.

    Eles narram que trabalhadores foram mortos tentando fugir e que chegaram a ser amarrados em árvores, e mantidos por dias, apanhando e sendo torturados. Até os que faziam questionamentos das condições de trabalho eram punidos.


    "Eles estavam em uma condição de absoluta vulnerabilidade e violência."

     

    Investigação


    g1 - É possível contabilizar o número de vítimas?


    Rafael Garcia Rodrigues - Não tem como promover a identificação imediata, mas podemos afirmar que foram centenas de trabalhadores. Pessoas analfabetas e em condições de miserabilidade.

    Conversamos com cerca de 20 pessoas. Os trabalhadores eram de diversas regiões, como Pará, Tocantins e Mato Grosso.


    g1 - Como será conduzida a investigação?


    Rafael Garcia Rodrigues - Marcamos uma audiência para discutir a tratativa com a Volkswagen. É importante dizer que não existe processo judicial, e sim um procedimento de investigação.

    Essa audiência é extra judicial. Usualmente, o Ministério Público promove seus acordos com composição dos prejuízos e indenização, tanto para as vítimas, quanto para sociedade brasileira.



    COMENTÁRIO DE UMA LEITORA NO FACEBOOK: Essa da VW não saber das violações é ótima!

    Fiz meu estágio do curso técnico lá. Além dos nazistas menos celebridades que trabalhavam na fábrica de São Bernardo muitos famosos foram encontrados lá. Almocei durante meu ano de estágio com duas gentis alemãs, colegas de laboratório, e às vezes com a companhia do pai, que foi preso tempos depois. Era o Stangl e suas filhas. Só no prédio da galvanoplastia haviam mais de quarenta alemães que ocupavam cargos de chefia mas haviam "perdido os diplomas na guerra". Os manuais de procedimento dos laboratórios eram todos em alemão. Acredito que havia uma troca de favores com a ditadura militar: o governo deixava permanecer no país os nazistas e a VW colaborava com a repressão. C.B.

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