sexta-feira, 28 de outubro de 2022

A PADARIA

Primeiro ato. Tudo limpo, banal. Não tem primavera nem céu azul. Não tem sedução. Durante décadas você ia lá, vapt e vupt, para comprar pão que de francês nada nunca teve e aquele que dizem integral. Mas, se os sonhos eram um sonho, atrás da caixa, a senhora de preto vestida recebia o dinheiro e dava o troco sem que ninguém jamais tenha ouvido o som de sua voz. Certa vez perguntei se, para obter um bom dia, teria que pagar uma taxa. A galega só conversava com os conterrâneos. Quem atendia no balcão, talvez por osmose, tão pouco se comunicava com a freguesia. Não havia fila para ser atendido. Maior cara de pau passava primeiro.

Fim do primeiro e longo ato. Décadas. Baixou a cortina cor de tédio.  Outra, fartamente colorida, se levanta agora sobre uma nova gerência. O elenco inteiro mudou. Sorrisos, boas-vindas e papos amigos varreram o astral depré da antiga administração. De repente, a padaria virou o epicentro, o umbigo, o coração da Rua Direita de Santo Antônio.

A qualquer hora do dia, você terá certeza de encontrar um vizinho amigo sentado numa mesa. Aqui fiz meu quartel geral. Aqui marco encontro com Will, o arquiteto. Que o Álvaro, Luan e Lara vêm sentar comigo após o torneio de xadrez para crianças na Fundação Alexei Belov. Que bela iniciativa! Lara ganhou um segundo lugar. Com seus cinco aninhos venceu outra menina, muito mais velha: oito anos! Lá também ouço a Fernanda confessar que, cansada de tantos anos de trabalho, quer vender a Pousada do Boqueirão, a joia do centro histórico. Chega o Alberto, arquiteto cubano que está restaurando com maestria um magnífico casarão do outro lado da rua. Eis um bom nome para chefiar o IPHAN. Só que os “cargos de confiança” são sempre para os apadrinhados, quaisquer sejam suas competências. Ou incompetências.

O responsável por este novo capítulo da história de meu bairro – como sou bairrista! – é o Márcio, físico e vozeirão de barítono, professor de universidade, memória de elefante. Sabe o nome de todos os fregueses. Todos! Distribui os bons dias e abraços com a mesma generosidade que dá de comer aos pedintes.

E não só: aos domingos de manhã, organiza encontros sobre temas importantes: racismo, gordofobia etc. Pretende também oferecer as paredes para exposição dos artistas do bairro.

Mas é de pão que padaria sobrevive. De pão e de outros produtos. Entre várias ofertas, recomendo os deliciosos “sequilhos de neve” da Valdelice e, quando a Sueli se digna de desaparecer nos bastidores, os inigualáveis “pasteis de Santo Antônio” com recheio de goiabada, minha perdição. Já falei que, quando for à Europa, levarei caixas e mais caixas destes pequenos pecados. Estou convencido de que Paris se renderá humildemente às guloseimas da minha padaria.

 Dimitri Ganzelevitch

A Tarde 29/1002022

 

Um comentário:

  1. Prabens, Dimitri, pelas informações e belo texto. Agendado para uma ida a este centro de humanidade concentrado em uma padaria. E como o mundo precisa disso!!

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