Primeiro ato. Tudo limpo, banal. Não tem primavera nem céu azul. Não tem sedução. Durante décadas você ia lá, vapt e vupt, para comprar pão que de francês nada nunca teve e aquele que dizem integral. Mas, se os sonhos eram um sonho, atrás da caixa, a senhora de preto vestida recebia o dinheiro e dava o troco sem que ninguém jamais tenha ouvido o som de sua voz. Certa vez perguntei se, para obter um bom dia, teria que pagar uma taxa. A galega só conversava com os conterrâneos. Quem atendia no balcão, talvez por osmose, tão pouco se comunicava com a freguesia. Não havia fila para ser atendido. Maior cara de pau passava primeiro.
Fim do
primeiro e longo ato. Décadas. Baixou a cortina cor de tédio. Outra, fartamente colorida, se levanta agora
sobre uma nova gerência. O elenco inteiro mudou. Sorrisos, boas-vindas e papos
amigos varreram o astral depré da antiga administração. De repente, a padaria
virou o epicentro, o umbigo, o coração da Rua Direita de Santo Antônio.
A qualquer
hora do dia, você terá certeza de encontrar um vizinho amigo sentado numa mesa.
Aqui fiz meu quartel geral. Aqui marco encontro com Will, o arquiteto. Que o
Álvaro, Luan e Lara vêm sentar comigo após o torneio de xadrez para crianças na
Fundação Alexei Belov. Que bela iniciativa! Lara ganhou um segundo lugar. Com
seus cinco aninhos venceu outra menina, muito mais velha: oito anos! Lá também
ouço a Fernanda confessar que, cansada de tantos anos de trabalho, quer vender
a Pousada do Boqueirão, a joia do centro histórico. Chega o Alberto, arquiteto
cubano que está restaurando com maestria um magnífico casarão do outro lado da
rua. Eis um bom nome para chefiar o IPHAN. Só que os “cargos de confiança” são
sempre para os apadrinhados, quaisquer sejam suas competências. Ou
incompetências.
O
responsável por este novo capítulo da história de meu bairro – como sou
bairrista! – é o Márcio, físico e vozeirão de barítono, professor de
universidade, memória de elefante. Sabe o nome de todos os fregueses. Todos!
Distribui os bons dias e abraços com a mesma generosidade que dá de comer aos
pedintes.
E não só:
aos domingos de manhã, organiza encontros sobre temas importantes: racismo,
gordofobia etc. Pretende também oferecer as paredes para exposição dos artistas
do bairro.
Mas é de pão
que padaria sobrevive. De pão e de outros produtos. Entre várias ofertas, recomendo
os deliciosos “sequilhos de neve” da Valdelice e, quando a Sueli se digna de
desaparecer nos bastidores, os inigualáveis “pasteis de Santo Antônio” com
recheio de goiabada, minha perdição. Já falei que, quando for à Europa, levarei
caixas e mais caixas destes pequenos pecados. Estou convencido de que Paris se
renderá humildemente às guloseimas da minha padaria.
Prabens, Dimitri, pelas informações e belo texto. Agendado para uma ida a este centro de humanidade concentrado em uma padaria. E como o mundo precisa disso!!
ResponderExcluir