quinta-feira, 20 de outubro de 2022

A SERVIÇO DOS POBRES

Andei vasculhando velhos textos, publicados ou inéditos. Aqui vai um deles..

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Me distanciei de qualquer religião antes dos vinte anos e nestas mais de seis décadas de ateísmo, confesso só ter admirado dois papas: João XVIII e o atual Francisco. As atitudes e declarações do argentino conferem com o nome por ele escolhido. Como ele o magrinho de Assis – que muitos consideraram uma possível reencarnação do Cristo - fez tremer os bastidores do Vaticano e como ele as riquezas patrimoniais do Cristianismo estão sendo devidamente questionadas.

Estive pensando nesta incoerência ao passar pela igreja da Conceição da Praia, conferindo o avanço da recuperação, sob o manto protetor do IPHAN, dos dois imóveis contíguos, agora adaptados para salão de festas dos eventos do dito templo. Se concordo com a escolha sem ambiguidade de uma solução estética contemporânea para as fachadas, discordo em absoluto do uso do dinheiro púbico para algo de total irreverência para a sociedade, a não ser um ou outro casamento colunável. Especialmente quando nos lembrarmos que estes mais de R$12 milhões teriam uma serventia muito mais convincente se investidos na restauração do convento de São Francisco, prestes a perder muito de seu esplendor, começando pelos excepcionais azulejos barrocos. Este sim é um monumento da máxima importância para o patrimônio cultural do Brasil. Outro bem da igreja que deveria ter sido há muitasdécadas adequado para o uso público é o enorme terreno do princípio da rua da Graça, perto do Largo da Vitória. O centro da capital tem excesso de imóveis e carência dramática de espaços verdes. Não seria o caso de considerar a desapropriação de tão importante pedaço de terra para plantar árvores frondosas a sombra das quais pássaros, crianças e adultos poderiam brincar e descansar?

Neste século XXI onde as igrejas cristãs rivalizam sem piedade a qual vai ter mais milhões de fregueses a pagar polpudos dízimos permitindo pastores com relógios de ouro andarem de helicóptero pago pelas favelas que sobrevoam, que tal voltarmos ao ensino de quem andou de jegue até o último momento? Mas não foi a miragem dos prazeres seculares que convenceu um arcebispo a vender a primeira catedral do Brasil, outro a abandonar o palácio da Praça da Sé para uma mansão no campo Grande e outro a vender esta mansão para morar num condomínio de luxo, longe dos mendigos, pescadores e Marias-Madalenas?

Para lembrar a estes mercadores que andam de carro com motorista quando não de avião particular que o cristianismo deveria ser outra coisa: De confortável família francesa, Henrique Peregrino da Trindade veio a pé de São Paulo. Vive e dorme na igreja malconservada da Cidade Baixa onde ele acolhe os esquecidos dos poderes públicos e espirituais. 

Dimitri Ganzelevitch 

09/07/2020

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