terça-feira, 18 de outubro de 2022

FAUSTINO FAZ E ACONTECE…..

Miguel Cordeiro é o nome do criador dos grafites que fizeram sucesso no período de 1979 a 1985 em Salvador. Seu personagem maior, Faustino, foi criado de uma simples conversa entre Miguel e sua namorada, também grafiteira, que assinava Madame Min. Na época havia um personagem inteligente, O Mancha. Este foi morar em São Paulo e pouca coisa ficou. Os grupos não persistiram, Faustino, cujo nome escolhido porque sova bem e “um pouco demodê”, permaneceu. O autor comenta a personalidade de Faustino:

Sempre fiz o Faustino, desde 1979, mas era anônimo. Mas, ultimamente, todos discutiam quem era o autor de Faustino e terminaram atribuindo as pichações a outras pessoas, que aceitavam a autoria. Aí resolvi assumir. Em 1979, quando comecei, havia toda uma efervescência do grafite: Mancha, Min, Zezin. Do Zezin eu também fazia parte, mas achava que não tinha uma certa personalidade, uma coisa coesa, embora fosse até poético. Já o Faustino é o perfil de uma pessoa. Me inspirei quando vi uma foto de Roberto Carlos com a família – Nice e Segundinho – num porta retratos do Shopping Center. Quem poderia ter esse porta retratos? Só mesmo um Faustino. Eu tinha de escolher um nome engraçado para esse personagem. Pintaram vários – me lembro de Agostinho – mas o nome que ficou foi Faustino mesmo, por causa do som da palavra. A maioria do pessoal que fazia grafite em 79 parou. Acho quer aquele movimento do grafite, que começou tão intenso, foi interrompido porque muitos não acreditam no tipo de ação do grafite”, revelou o artista em 1984.

Na época foram dezenas de frases espalhadas pela cidade mostrando quem é Faustino: “Faustino faz curso Madureza”, “Faustino ouve Julio Iglésias” (em 1981), “Faustino usa calça Topeka”, “Faustino usa escovinha pata-pata”. Segundo Miguel, “as pessoas dizem que o Faustino é uma coisa ligada ao saudosismo, mas eu vejo o personagem como uma certa crítica, com humor, fundamental num trabalho de rua. Se não tivesse humor, parece que estou cumprindo ordem, que é uma coisa político-partidária. É uma forma de me expressar. Para fazer um trabalho grafite é preciso dinheiro para o spray, saltar os obstáculos e colocar a mensagem diretamente na rua. Um spray dá para uma dez citações”.
Faustino é um personagem que tem muito a ver como um indivíduo de classe média que num momento de aperto vendeu o ouro do dente e guarda uma calculadora na capanga para acompanhar a conta do supermercado (lembre-se que nessa época a inflação era galopante). Miguel, em 1984 tinha 28 anos, muito inquieto e ligado aos movimentos de vanguarda. Não gostava de bolero e era fã do rock, música da sua geração que nessa década de 80 retornava com muita força.

Na época o recorte de Salvador com os trabalhos de Miguel estava no bairro do Caminho das Árvores onde existia um desenho colorido representando um rosto de uma figura passada com as coisas da vida. Os traços gestuais representavam exatamente a grande interrogação diante de tanto caos. A figura representada estava perdendo as forças e assim abria a boca num grito de desespero. O trabalho é antropofágico, ou seja, foi decupado da arte de Munch (1863-1944), um dos primeiros artistas do século XX que conseguiu conceder às cores um valor simbólico e subjetivo, longe das representações realistas. Uma de suas obras mais importantes é O Grito (1889). Nela a figura humana não apresenta sua linhas reais mas contorce-se sob o efeito de suas emoções.


Na Avenida Paulo VI, nas imediações onde estava sendo construída a nova sede dos Correios, num muro defronte havia um dos principais desenhos do pai de Faustino. A presença de duas figuras onde a que está no vídeo puxa a outra que representa o telespectador. Uma critica ao poder dos veículos de comunicação de massa, especialmente a televisão que está nivelando os costumes, acabando com as tradições, impondo modas e comportamento. Uma dura crítica, na época, a massificação desenfreada que vinha sendo institucionalizada no país através das grandes redes de tevê.

Saindo do bairro da Pituba e entrando no Chame Chame, exatamente na Rua Sabino Silva, próximo a um posto de gasolina estava um desenho de maior tamanho, criado sob inspiração de uma obra de Pablo Picasso. É o dilema da mulher do espelho. O conflito do narcisismo, e a estética vigente n sociedade. A cor morena é o padrão da beleza, a ponto de várias jovens terem sofrido, no último verão, queimaduras nas pernas e nos rostos devido o uso de um bronzeador caseiro. No verão as mulheres ficam expostas horas e horas ao sol, num desconforto total prejudicando a própria saúde em busca da cor morena. É a vaidade demasiada e o espelho é o elemento que mais representa este frama do individuo diante do seu verdadeiro físico, o idealizado diante das determinantes da sua aculturação.


No bairro da Barra, próximo ao Iate Clube da Bahia tinha um desenho colorido que provocava um encontro surpresa com o transeunte. A figura de Miguel foi desenhada de tal forma que se você subia a ladeira encontrava de frente, de cara. E isto provocava muitas vezes risos entre os transeuntes que subiam distraídos e foram alertados pela figura. Miguel, desejava assim, uma participação cada vez maior do público com seu trabalho. Na Rua Oito de Dezembro no final havia um desenho plasticamente bem bolado, mas não tem uma explicação maior. Na Rua Marquês de Caravelas surgia forte o Faustino. “Faustino fica bravo!”. Esta frase é uma reação diante de tanta coisa ruim que fazem com a Bahia. Ele ficava apavorado com tanto abandono que maltrata a velha Cidade do Salvador. Aborrecido com o descaso para com a educação e com o empobrecimento de sua gente. Faustino leva não somente a Bahia a sério, como defende sua gente.

Blog do Gutemberg


Prezado Dimitri,
Muito boa a edição de hoje ( ainda sou do tempo do jornal ...)  sobre o inesquecivel Faustino. Quanta lembrança e quanta alegria com aquelas frases originais e criativas. Senti falta de uma das melhores, que foi " Faustino urina no box  "!!!
Lembro muito dessa época ( anos 80 )  e de duas outras frases que nunca esqueci , de autores desconhecidos, ali na Graça :  " Jaciara é  pirracenta e libidinosa ", e outra de  conteúdo poético e profundo : " Meu medo não é perdê-la, mas perder o amor que tenho por ela ". Alta filosofia !!!
Abração, amigo, boas recordações .

lafayette de azevedo pondé filho pondé filho

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