domingo, 23 de outubro de 2022

RODIN E MINHA BRIGA


Não tenho as datas exatas em memória. Com tanto mensalão e sanguessuga, o espírito fica zonzo. Resta o gosto amargo de milhões de dólares investidos em mais uma empreitada suspeita. 

Quando começou toda a polêmica em volta da criação do Museu Rodin, criação esta inspirada pela tão inesperada quanto quilométrica fila de curiosos na porta do Museu de Arte da Bahia para contemplar reproduções do mestre francês, fui procurar em velhos livros uma possível resposta. 

Para todo e qualquer francês, Auguste Rodin é ícone artístico incontornável. Talvez o único gênio da escultura francesa. Os burgueses de Calais, a Porta do Inferno e o Pensador me acompanham desde o primário. Quantas vezes, estudante ou já adulto, fui à rue de Varennes? Dez, quinze... mais vezes? Sempre aquela plenitude frente a um trabalho sem brecha, seja em corpos vigorosos anunciando o expressionismo, seja nos bustos mais comedidos, um pouco chatos até, de senhoras da sociedade parisiense. 

Um livro me acompanha até hoje, neste país tropical e abençoado. Contém quase todas as respostas às minhas perguntas. “L´Art. Entretiens avec Auguste Rodin par Paul Gsell”. Foi editado por Grasset em 1932. Ou seja, 15 anos depois da morte do escultor. 

Ao longo de 312 páginas, Rodin confessa seu fascínio pelos grandes clássicos. De Phidias a Praxiteles, de Donatello a Michel-Angelo e Houdon. Também não esquece Rembrandt, Raphael, Vinci, Titiano e Velazquez.

 Ele tinha 37 anos quando aconteceu a famosa exposição no atelier do fotógrafo Nadar unindo nas mesmas paredes os que passariam a ser chamados com ironia os “Impressionistas”.  Não encontrei rastro de comentário.

Tinha 67 anos quando Picasso pintou o célebre “Demoiselles d´Avignon”, prenúncio do Cubismo. Nada, nem piu. Como também ignora a obra de Matisse e a de Van Gogh.

Em contrapartida confessa uma admiração avassaladora pelo pintor Puvis de Chavannes... Você conhece? Peut-être... 

Auguste Rodin, soberbo, olhou somente para o passado sem nunca sentir o mínimo torcicolo. Não marcou presença em nenhuma manifestação artística significativa, desprezou a contemporaneidade. Seus amigos eram pintores e escultores do segundo time, hoje esquecidos em depósitos de museus de província.

O último gênio acadêmico morreu sem deixar herdeiros espirituais. Não iria influenciar ninguém. Fechou a porta do Academismo. 

Então, para quê a criação leviana e apressada, aqui na Bahia, de um Museu Rodin? Qual seria o impacto sobre o público e os artistas locais das reproduções expostas? Não haveria melhor forma de investir tanta grana a bem da cultura baiana? 

Dom Quixote obsoleto, um pouco ridículo na minha teimosia, resolvi comprar uma briga desigual, sabendo desde o inicio que não iria impedir a terra de rodar em torno do sol. Após protestos vários em jornais undigrundi e outros panfletos que não incomodaram ninguém, dirigi minha lança para outros moinhos.

Entrei em contato com o Musée Rodin em Paris vai internet. Isso foi, salvo erro, em 2002. Um belo site (sitio dizem, com toda razão, os portugueses). Lá estava a foto do governador interino Otto Alencar com o ministro francês da cultura e mais três ou quatro figuras que a História deverá esquecer sem tardar, assinando um documento. Acompanhava uma legenda esclarecendo aquilo que todos sabemos: projetos grandiosos iriam engrandecer as relações franco-brasileiras, digo, os dois hemisférios, o planeta inteiro!!...

Escrevi ao diretor daquela instituição meu descontentamento, pouco diferente da opinião da maioria esmagadora dos meios culturais baianos. Com uma arrogância cada vez mais evidente, o homem me respondeu que o Pensamento Francês era de Ajudar o Desenvolvimento da Arte na Bahia. Entendi e fiquei humildemente comovido. 

Ótimo, respondi, mas seria muito mais econômico para o estado tupiniquim que a França convidasse os artistas daqui a passar uma temporada lá em Paris para conhecer o mestre “dans son jus” e organizasse uma exposição dos jovens talentos em alguma sala de prestigio, convidando os críticos gauleses. 

Bem, não vou reportar o pesado intercambio de amabilidades que encerrei um belo dia com a frase “O xingamento é a arma dos fracos”.

Na verdade, o Musée Rodin queria dar uma de Guggenheim para melhorar o caixa. Como todos sabem, não há quase museu no mundo que não esteja no vermelho. 

Meses atrás voltei, por curiosidade, a abrir o sitio do Rodin. Qualquer vestígio da parceria Paris-Salvador tinha desaparecido. Não havia mais nem sombra do Rodin-Bahia. Só o Doutô Bigode sabe porquê. 

Hoje, 30 de maio, leio no jornal a guinada que Marcio Meirelles pretende dar ao belo casarão. Esteve em Paris onde o mesmo diretor, agora mais calmo, chicote pendurado no armário, afirma que “Eles nunca entenderam por que o governo da Bahia queria instalar um Museu Rodin”. Me poupe, viu?! Eles sabiam muito bem, sim senhor! Aliás, quem deve ter mais detalhes é com certeza o pai da criança, Emanoel Araújo. 

Resta dar um destino adequado a este belo elefante branco. Por que não transferir para lá o Museu de Arte Moderna e dedicar o Solar do Unhão à cultura popular, tão desprezada por décadas de política cultural sem identidade? Ou ainda um Museu da Cidade, um verdadeiro museu e não aquela coisa patética que jaz tristemente no Largo do Pelourinho, onde há mais escadarias que memória?...

De qualquer forma a atitude do atual secretário de Cultura é um alívio para os que consideram a Cultura como finalidade e não como trampolim político ou pé-de-meia.

Não faltará quem possa ajudar a construir um espaço que atenda às inúmeras necessidades do público baiano.

 

Dimitri Ganzelevitch                                                      

Salvador, 30 de maio de 2007.

 


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