DECK ORNÉLAS
João Paulo - 18/12/2023 07:30 - Atualizado 18/12/2023O isolamento ferroviário da Bahia vem sendo tema de debates e grandes preocupações, desde alguns anos, pela gravidade da crise econômica em que poderia mergulhar definitivamente o nosso Estado, por falta de ligação com seus portos, com seu próprio hinterland e com o novo sistema ferroviário nacional. O alerta final veio ante o colapso da malha ferroviária da antiga SR-7 da Rede Ferroviária Federal S. A. (RFFSA) e a decisão da concessionária Ferrovia Centro Atlântica (FCA) de devolver, depois de quase 30 anos de abandono, os seus mais de 1.800km de ferrovias (FCA x Bahia. Correio, 21/9/2022).
Vê-se, então, a Bahia,em situação de profunda vulnerabilidade, ante o imenso desafio de ter reequacionada a sua indispensável infraestrutura ferroviária.
A evolução das definições a respeito da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (FIOL) constitui o elemento-chave para permitir resolver a equação posta. Primeiro, a decisão de que aFIOL e a Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (FICO) se engatarão em Mara Rosa (GO), permitindo a formação de um novocorredor logístico de importância nacional(Corredor Centro-Leste: luz no fim do túnel. Correio, 25/7/23).
Nessa linha, o Ministério dos Transportes acaba de publicar edital de licitação para a continuidade das obras da FIOL II, que compreende o trecho Caetité-Barreiras, já com mais de 50% executado. Com isto, viabiliza-se a concessão conjunta da FIOL II e III com a FICO I – Mara Rosa-Água Boa (MT). Aeste conjunto agrega-se a FICOII – Água Boa-Lucas do Rio Verde (MT), já objeto de autorização.
Esta solução cria uma nova alternativa para o escoamento das volumosas e crescentes safras de grãos do Mato Grosso, a melhor para a região central daquele estado – área que concentra mais da metade de sua produção – em demanda ao Porto Sul, em Ilhéus (Corredor Centro-Leste, a opção certa. BENews, 08/8/2023), e assegura a escala necessária para o Corredor Centro-Leste, alimentado também por cargas dos minérios de ferro de Caetité, Piatã e Grão Mongol (Norte de Minas Gerais) e dos grãos do Oeste baiano.
Como o Porto Sul só terá capacidade de embarque para 20 milhões toneladas/ano e a produção de grãos das regiões central do Mato Grosso e Oeste baiano somam muito mais que isto, será natural o transbordamento de carga para portos da Baía de Todos os Santos. É desenvolvimento na veia, com desconcentração econômica, correção de desequilíbrios regionais, maior competitividade para o agronegócio, menos custo Brasil!
Ficou claro, a partir daí, que a antiga malha baiana, para dialogar com o novo sistema ferroviário nacional, terá que ser restauradaem bitola larga (Bitola larga na Bahia, Bahia Econômica, 25/9/23).
Fixados estes dois pontos, urge superar o trauma provocado pela degradação da antiga malha baiana. Trata-se aqui de adotar a proposta apresentada pelo Engº. Bernardo Figueiredo, no âmbito dos estudos que a Fundação Dom Cabral vem realizando para a Secretaria de Planejamento do Estado, através da SEI. Consiste na reestruturação do Corredor de Integração Sudeste-Nordeste, mediante a reativação de trechos subutilizados pela FCA, entreCorinto (MG)e Recife (PE), beneficiando também os estados de Sergipe e Alagoas, com acesso a nada menos que sete portos ao longo do litoral atlântico.
Minérios, grãos, fertilizantes, combustíveis e contêineres estarão na pauta deste abandonado eixo ferroviário, com volume de carga estimado em 100 milhões de toneladas úteis em 2035. A forte presença de carga geral (contêineres) em seu perfil econômico, absorvendo parcela significativa do transporte rodoviárioque hoje sobrecarrega e satura as BRs 116 e 101 – dasmais movimentadas rodovias federais do país –,dá-lhe um perfil distinto dos demais corredores ferroviários recentemente implantados no país, favorecendo o mercado interno, sem prejuízo de servir também à exportação e importação.
Tal situação de abandono significa, na prática, reconstruir a ferrovia, promovendo seu rebitolamento, com prioridade para o trecho Salvador – Corinto. Com 1.154km de extensão, esse trecho tem seu custo estimado em R$7 bilhões, a serem financiados com o valor da indenização devida pela FCA e vinculação de parcela da outorga a ser paga por conta da renovação antecipada. A adoção do regime de autorização, para sua reconstrução e operação poderá, inclusive, atrair novos entrantes no sistema, pela atratividade que apresenta.
Formam-se assim dois grandes eixosferroviários atravessando o território baiano: o Corredor Centro-Leste, constituído pelaintegração FICO-FIOL, em direção ao Porto de Ilhéus, e o Corredor de Integração Sudeste-Nordeste, reconstituindo o eixo da antiga malha da Rede Ferroviária Federal, agora em bitola larga. Desses dois eixos derivarão futuros ramais.
Os dois corredores se cruzam no interior da Bahia, e permitem ao Estado desenvolver políticas de desenvolvimento ao longo dos seus percursos, para aproveitar as potencialidades econômicas – agrícolas e industriais – e promovero fortalecimento de importantes centros urbanos e logísticos.
Desta forma, conhecidos os valores das incógnitas que vêm comprometendo as perspectivas de desenvolvimento da Bahia, torna-se possívela retomada do processo de expansão da nossa economia. Renasce a esperança de que a Bahia possa voltar a crescer.
Eis que entra em cena o fator tempo: é preciso, agora, tornarirreversível a implantação desses dois eixos. Em relação ao Corredor Leste-Oeste,a providência demandada é a publicação do edital de concessão, ainda sem data prevista. Por seu turno, arenovação antecipada da FCA permanece indefinida e a concessão vigente se esgota em agosto de 2026. Esta situação só prolonga o sofrimento da economia baiana, uma vez que obras ferroviárias são caras e demoradas, além de enfrentar longos processos administrativos para sua formalização.
Para a Bahia isto é extremamente gravoso.Neste cenário, o caminho mais curto parece ser a desvinculaçãodo futuro da malha da antiga SR-7 da RFFSA em relação à renovação da FCA, com o governo federal recebendo, de imediato, a devolução dos trechos que nunca interessaram à concessionária. Com isto, abre-se espaço para dar início à restauração da linha Salvador-Corinto,mediante chamamento para autorização.
Uma vez descortinadasas soluções e identificados os caminhos a seguir, é indispensável que as lideranças políticas e empresariais baianas se movimentem em busca das providências administrativas necessárias, inadiáveis e urgentes, para fazer acontecer o que a Bahia precisa.
Tecnicamente, a equação está resolvida.
Waldeck Ornélas é especialista em planejamento urbano-regional. Autor de Cidades e Municípios: gestão e planejamento.
Nenhum comentário:
Postar um comentário