Após a lição da pandemia, premiê Pedro Sánchez pretendia tornar seu país menos dependente dos turistas. Porém, o contrário aconteceu: 2023 foi um ano recorde para o setor. Quem sofre são as populações locais.O cinegrafista Oscar Villasante vive há 26 anos no centro de Madri, no colorido bairro de Lavapiés. Até agora, imigrantes e artistas convivem aqui pacificamente, mas em breve isso pode mudar.
Apesar de, na verdade, ser apoiador entusiástico do primeiro-ministro espanhol, o socialista Pedro Sánchez, ele critica a política para turismo e aluguéis.
"Anunciam-se muitas coisas, mas, no fim das contas, cada vez mais fundos de investimentos compram prédios aqui em Lavapiés. Todo o núcleo urbano está em alta forma para os investidores e turistas de luxo. Isso não é política para o cidadão", ressalta.
O parlamento regional madrilenho é dominado pelos conservadores, mas o que ocorre na capital se repete em quase toda a Espanha, sem que o governo nacional se oponha ativamente: a modernização das cidades está nas mãos de investidores de patrimônio líquido e indivíduos ricos que após comprarem os prédios exigem quase o dobro de aluguel.
Villasante vê um exemplo em sua vizinhança imediata, na Calle Tribulete 7, onde até agora têm morado inquilinos de longa data, a maioria com contratos antigos, a condições bastante favoráveis. Porém, há meses a empresa Elix Rental Housing, pertencente à gestora de ativos teuto-espanhola AltamarCAM, vem preparando a venda do imóvel para transformá-lo em apartamentos de férias.
A fim de evitar que os moradores percam suas residências, o Sindicato de Inquilinas e Inquilinos de Madri tem convocado protestos, dos quais o operador de câmera de 62 anos também participa.
Explosão de preços e consumo exagerado de recursos
Os negócios com o turismo são lucrativos para os investidores. Segundo cálculos do governo local, em 2023, cerca de 14 milhões de visitantes procuraram a capital espanhola - quase um terço a mais do que no ano anterior -, onde gastaram 15 bilhões de euros.
Madri tem muito para agradar os turistas: seus famosos restaurantes atraem gourmets ricos de todo o mundo; numerosos estudantes do programa Erasmus, da União Europeia, passam lá um semestre; e em breve a metrópole também terá sua pista de Fórmula 1.
Por sua vez, os residentes adoram a ida à feira de rua, o desjejum em bares tradicionais, e se desesperam que a municipalidade nada faça para conter o afluxo em massa. Villasante teme que em breve só os turistas possam arcar com os preços locais.
O Instituto Nacional de Estatística (INE) estima que em 2023 a Espanha tenha recebido 85 milhões de visitantes, 18,7% mais do que no ano anterior - e até mesmo 1,9% acima de 2019, ou seja, antes da pandemia de covid-19. Segundo a associação turística Exceltur, o setor faturou 186 bilhões de euros, o equivalente a 12,8% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Esse acréscimo contribuiu para um crescimento da economia espanhola de 2,5% em 2023, superando todos os prognósticos internacionais.
Porém, Villasante adverte: "A Catalunha e a Andaluzia já estão há semanas em estado de emergência, por causa da seca prolongada. Os agricultores protestam por não poder mais irrigar seus campos devidamente, enquanto para o turismo não há limites".
Nos últimos anos, a população de Barcelona, Maiorca e Ibiza tem manifestado descontentamento crescente com o impacto negativo do turismo em massa. Também nas Ilhas Canárias, mais dependentes ainda dos veranistas, os protestos se acumularam em 2023.
A Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (CEOE) já registra uma nova hostilidade contra o turismo no país. Por sua vez, os lobistas lembram que o setor é um pilar da prosperidade nacional. Segundo dados oficiais, ele emprega quase 3 milhões de cidadãos.
Intenção era diminuir dependência do turismo
A Exceltur calcula que em 2024 a contribuição econômica do setor aumentará para 13,4% do PIB da Espanha. No entanto, desde já o país está estourando por todos os cantos, do ponto de vista turístico. Não só as metrópoles Madri e Barcelona, mas também as ilhas Baleares e Canárias estão superlotadas; cidades andaluzas como Málaga e Sevilha são inundadas pelos visitantes.
Na verdade, a meta declarada do Sánchez era reduzir a dependência espanhola do turismo, com base na lição da época da pandemia, a qual teve consequências econômicas catastróficas nos centros turísticos.
Mas pelo menos a chefe de governo das Baleares, a também socialista Francina Armengol, adotou para si a meta do premiê no último verão. "Ela aplicou medidas para conter os investidores especulativos e restringiu o turismo de cruzeiro em La Palma. Foi uma estratégia de sustentabilidade", comenta o corretor de imóveis alemão Matthias Meindel, residente na ilha.
Ada Colau, prefeita de Barcelona até 2023, tinha prioridades semelhantes. Em seus cinco anos no cargo, ela declarou guerra ao Airbnb e outras operadoras de locações por temporada. No entanto, para os turistas e nômades digitais, o fato em nada afetou a atratividade da capital catalã, que no último ano da gestão de Colau recebeu 26 milhões de visitantes.
Especulação compromete fama turística
Com o turismo, aumentou também a criminalidade em Barcelona, por exemplo, na forma de gangues de roubo organizado. O Sindicato de Inquilinas e Inquilinos de Madri teme que o mesmo venha a ocorrer na capital: numa consulta municipal, 27% dos cidadãos afirmaram que a falta de segurança foi seu maior problema em 2023.
Em contrapartida, a bolsista francesa do Erasmus Lily Rose não se sente insegura em Madri: "comparando com Paris, é um paraíso." Para ela, a maior dificuldade foi encontrar um quarto a um aluguel aceitável: "já existem listas de espera enormes." Uma estudante islandesa conta que paga 850 euros (R$ 4.550) por um quarto num apartamento.
Enquanto os proprietários de tais apartamentos se alegram com o lucro, os moradores da Calle Tribulete 7 sentem sua subsistência ameaçada. Uma grande faixa na frente do prédio acusa a Elix Rental Housing de especulação, para que também os turistas internacionais que flanam pela feira semanal tomem conhecimento do que lá acontece.
Oscar Villasante reconhece que em bairros como Lavapiés os turistas não têm só efeitos negativos, pois com a maior presença policial e consumo, a mendicância e tráfico de drogas diminuiu, "mas a questão é a medida certa".
O governo nacional e os representantes locais dos cidadãos precisam dar um basta em diversos aspectos, se a Espanha não quiser perder sua fama de país de turismo seguro e simpático.
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