quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

UM DRAMA ANUNCIADO


Já sei. O título é manjado.  Mas não deixa de ser a melhor forma de alertar a opinião pública e os responsáveis (sic) sobre as razões da angústia que habita parte do bairro de Santo Antônio, desde que a Conder resolveu “limpar” a encosta, retirando, com a mesma celeridade e falta de critérios, casebres, árvores e mato. Tudo aquilo que dava sustentação à encosta.

A época de chuvas pesadas se aproximando, como podemos dormir tranquilos com os previsíveis deslizamentos de terra, ameaçando patrimônio e vidas humanas?

Bem perto do fundo da Igreja de Nossa-Senhora do Boqueirão, duas lajes desabaram, levando em outubro passado cataratas de lama até os moradores da Ladeira do Pilar.

Denunciei o fato ao Ministério Público, não uma vez, mas várias. Suponho que minhas queixas tenham sido encaminhadas aos órgãos competentes, mas até hoje não vimos qualquer preocupação em consertar o malfeito, a não ser a colocação apressada de mantas de plástico preto que, neste momento, estão mais esburacadas que renda portuguesa.

A pergunta que continua sem resposta até hoje: qual é o órgão fiscalizador/executivo responsável? A Codesal, a Conder, o Iphan, o Ipac, o governo estadual, federal, municipal ou  a Escola de Dança? Estamos cansados de ser confundidos com uma bola de pingue-pongue, cada órgão empurrando com a barriga!

Voltando ao passado, no princípio da década de 90, quando o então governador Antônio Carlos Magalhães resolveu afastar o Ipac e entregar à Conder a responsabilidade pela restauração de parte do centro histórico de Salvador, a dita estatal escolheu soberbamente ignorar as competências do Iphan e da Ufba e massacrou um patrimônio que naquela data já era tombado pela Unesco. Uma ação urgente era necessária, sim. Mas criteriosa. Optaram pelo espalhafatoso imediatismo, desprezando as caraterísticas que davam uma identidade peculiar a cada imóvel.

Uniformizaram portas e janelas, pintando tudo com um deprimente verde militar e parte da encosta foi impermeabilizada, à revelia de qualquer lógica ambiental.

Nossos governantes continuam com a política errada de considerar a cultura e a memória sob o único prisma do turismo.

Ainda não entenderam que os visitantes sempre preferirão uma cidade concebida, antes de qualquer projeto de sedução descartável, para seus moradores e não como cenário para selfies.

Mais uma vez me vejo obrigado a mencionar Quito, Medellin, Puebla e Cartagena de las Índias como modelos de inspiração para um centro histórico com maior respeito ao patrimônio e melhor qualidade de vida para seus habitantes.

Mas nossos edis preferem viajar a Miami, voltando com malas novas entupidas de produtos descartáveis e autorizando mais um viaduto, mais uma torre, mais um shopping...

Dimitri Ganzelevitch

ATarde, sábado 3 de fevereiro 2024

 

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