Cheguei na Bahia com duas malas pesadas. Hospedado no Hotel Barra Turismo com varanda para o porto, a vista não era convidativa. Chuva. Vento. Mar revolto. Nada a ver com o céu luminoso de outros fevereiros, quando passeava mãos nos bolsos da calça boca de sino.
Mudei-me
para um quarto e sala na Princesa Isabel. Três meses depois encontrei uma
pequena cobertura na Rua do Passo. Onde morar era mal visto pelos colunáveis. Os
primeiros anos foram duros. Só encontrei gente errada. Picaretas, alpinistas e
oportunistas, sempre melosos e alegres, a propor ilusões.
O ônibus
fedia a cigarro frio. Estranhava não encontrar carne bem cortada, vinho
bebível, pão artesanal, manteiga sem ser rançosa. Descobri o baixo preço da
vida humana, a ostentação da classe média que agitava as chaves do carro do
ano, mas esquecia de pagar o aluguel. Advogados considerados me enrolaram
despudoradamente. Braços abertos, o baiano? Nem sempre. Aos trancos e barrancos
aprendi a contornar os obstáculos. Verdade seja dita. Chorei mais de uma vez,
questionando minha escolha de vida.
Teimosia. O
defeito que acaba sendo qualidade. Após me ser retirado sem justificativa o
térreo do Ipac no Largo do Pelourinho onde plantara a primeira galeria e fracassar
na Ladeira da Barra, descobri a galinha de Colombo. Um espaço de poucos metros
quadrados no Mercado Modelo. Fui, lá, o primeiro a expor e vender Babalu, Aurelino,
Miguel Cordeiro, J. Cunha, Vauluizo Bezerra, Zé Diabo, Eckenberger, J. Borges,
Faróleo, Bel Borba, Murilo e Emma Valle. E lá comecei a me integrar. Encontrei
gentileza nos comerciantes e mais ainda nos comerciários. Mergulhei na cultura
popular. Festas de largo, carros de cafezinho, feira de São Joaquim, samba de
roda, Alagados e lambretas. Saudade da Barraca da Índia.... Espectador inquieto
e atento. Comecei a entender a sociedade onde apostara viver para o resto de
meu tempo. Comecei a ter amigos.
Assim se
passaram cinquenta anos. Meio século debaixo do Equador, no balanço da rede. Vi
o apogeu e a decadência do Comércio e da Baixa dos Sapateiros. O abandono do
Excelsior, do Pax, do Jandaia, do Tupy. Conheci Jorge Amado, Carybé, Ernst
Widmer, Silvio Robatto, Lindenbergue Cardoso, Pierre Verger e outros que
fizeram parte da história da Bahia, mas sempre preferi os anônimos, aqueles de
quem ninguém fala, mas que também são construtores.
Comprei um
casarão na Rua Direita de Santo Antônio. Restaurei nos conformes e abri as
portas a meio mundo. Desde os príncipes de Bourbon-Sicílias até Fernando
Morais, Angélique Kidjo, Caetano Veloso, Adélia Prado, Abderrahmane Sissaco, Yumara
Rodrigues, Zubin Mehta, Marieta Severo, Alícia Alonso e Mãe Stella de Oxóssi.
E ainda tem
quem ousa falar: “Ele nem é daqui! ”?
Dimitri Ganzelevitch
A Tarde, sábado 17 de maio 2025

parabéns Dimitri!! e obrigado por tudo!! e, verdade, vai sempre ter alguém para afirmar que vc não é daqui não!! 😀
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