sexta-feira, 16 de maio de 2025

21 DE MAIO DE 1975

  Cheguei na Bahia com duas malas pesadas. Hospedado no Hotel Barra Turismo com varanda para o porto, a vista não era convidativa. Chuva. Vento. Mar revolto. Nada a ver com o céu luminoso de outros fevereiros, quando passeava mãos nos bolsos da calça boca de sino.

Mudei-me para um quarto e sala na Princesa Isabel. Três meses depois encontrei uma pequena cobertura na Rua do Passo. Onde morar era mal visto pelos colunáveis. Os primeiros anos foram duros. Só encontrei gente errada. Picaretas, alpinistas e oportunistas, sempre melosos e alegres, a propor ilusões.

O ônibus fedia a cigarro frio. Estranhava não encontrar carne bem cortada, vinho bebível, pão artesanal, manteiga sem ser rançosa. Descobri o baixo preço da vida humana, a ostentação da classe média que agitava as chaves do carro do ano, mas esquecia de pagar o aluguel. Advogados considerados me enrolaram despudoradamente. Braços abertos, o baiano? Nem sempre. Aos trancos e barrancos aprendi a contornar os obstáculos. Verdade seja dita. Chorei mais de uma vez, questionando minha escolha de vida.

Teimosia. O defeito que acaba sendo qualidade. Após me ser retirado sem justificativa o térreo do Ipac no Largo do Pelourinho onde plantara a primeira galeria e fracassar na Ladeira da Barra, descobri a galinha de Colombo. Um espaço de poucos metros quadrados no Mercado Modelo. Fui, lá, o primeiro a expor e vender Babalu, Aurelino, Miguel Cordeiro, J. Cunha, Vauluizo Bezerra, Zé Diabo, Eckenberger, J. Borges, Faróleo, Bel Borba, Murilo e Emma Valle. E lá comecei a me integrar. Encontrei gentileza nos comerciantes e mais ainda nos comerciários. Mergulhei na cultura popular. Festas de largo, carros de cafezinho, feira de São Joaquim, samba de roda, Alagados e lambretas. Saudade da Barraca da Índia.... Espectador inquieto e atento. Comecei a entender a sociedade onde apostara viver para o resto de meu tempo. Comecei a ter amigos.

Assim se passaram cinquenta anos. Meio século debaixo do Equador, no balanço da rede. Vi o apogeu e a decadência do Comércio e da Baixa dos Sapateiros. O abandono do Excelsior, do Pax, do Jandaia, do Tupy. Conheci Jorge Amado, Carybé, Ernst Widmer, Silvio Robatto, Lindenbergue Cardoso, Pierre Verger e outros que fizeram parte da história da Bahia, mas sempre preferi os anônimos, aqueles de quem ninguém fala, mas que também são construtores.

Comprei um casarão na Rua Direita de Santo Antônio. Restaurei nos conformes e abri as portas a meio mundo. Desde os príncipes de Bourbon-Sicílias até Fernando Morais, Angélique Kidjo, Caetano Veloso, Adélia Prado, Abderrahmane Sissaco, Yumara Rodrigues, Zubin Mehta, Marieta Severo, Alícia Alonso e Mãe Stella de Oxóssi.

E ainda tem quem ousa falar: “Ele nem é daqui! ”?

Dimitri Ganzelevitch

A Tarde, sábado 17 de maio 2025

Um comentário:

  1. parabéns Dimitri!! e obrigado por tudo!! e, verdade, vai sempre ter alguém para afirmar que vc não é daqui não!! 😀

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