Quatro noites praticamente sem conseguir fechar o olho. A escuridão que ainda se arrasta no céu gélido de março me vê sentado na sacada de minha suíte do Hotel de Paris, assistindo ao aparecer do azul do Mediterrâneo.
Quando o
diretor do banco me telefonou pessoalmente para me dar a notícia, não consegui
responder. Precisaria ir a Monte-Carlo para assinar os papeis e resolver o que
fazer com seiscentos milhões de euros. Pois é. Isso tudo. Tinha ganhado o Grand
Prix des Princes de Mônaco. Mandaria reservar no próximo avião para Paris e de
lá, táxi aéreo. A hospedagem seria por conta do banco. Lembrando um velho
ditado árabe: “Só se dá aos ricos” não pude reprimir uma risadinha. Eu, modesto
galerista do Mercado Modelo, um quase pé-de-chinelo, dois dias antes nem me
teriam deixado entrar no saguão do palace. Felizmente tenho bagagens discretas
que escapam a praga das samsonites. Adivinhe quem pegou o mesmo elevador? Naomi
Campbell. Linda, mas muito enjoada. Vou ter que me acostumar a conviver com
ricos e famosos.
Agora vem
the question. O que fazer com mais de oitenta anos de vidinha nem sempre fácil,
mas bem gostosa? Não vou poder continuar com minha velha casa do Santo Antônio
onde todos me conhecem. Posso adivinhar a longa fila de velhos, caros e íntimos
amigos que, de repente, se lembrarão de mim. A propósito, estou com um projeto
que você vai adorar. E barato! Detesto lhe cobrar, mas você tem que me ajudar:
minha filha está com câncer, hanseniase, HIV, tuberculose, meu pai foi preso
injustamente e precisamos de um bom advogado, você tem que levantar o cinema
baiano, quero editar um livro de poesia com vídeo acoplado e talvez uma peça de
teatro. Você não vai me dar aquela casinha em Interlagos?!! Isso sem contar com
figuras estranhas que sem demora começarão a rondar o bairro. Não pretendo
acabar sequestrado. E vou perder o pastel do outro lado da rua e a pizza do
Gustavo?
Para ir morar aonde? Numa destas torres que sempre abominei? Só se for uma cobertura, perdão um rooftop, mas com entrada separada e elevador particular. Pretendo continuar usando minhas camisetas surradas e meus velhos jeans sem afrontar os olhares enviesados dos homens de bem. Terá que ser bem grande e com condições para plantar árvores frutíferas. Não vou deixar de conviver com pássaros e borboletas. E, evidente, a mesma vista sobre a baia. Ou então, como no “Gog” de Giovanni Papini quando um ricaço compra um quarteirão em Manhattan, indemniza regiamente todos os moradores, manda destruir tudo, cerca com um muro bem alto, constrói uma casinha muito simples e deixa a natureza invadir o resto do terreno. Acho que vou fazer o mesmo no Corredor da Vitória ou no Horto Florestal.
Serei feliz, mesmo?

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