A Confusão entre Capital Cultural e Capital Midiático na Academia Brasileira de Letras
A Academia Brasileira de Letras (ABL), outrora símbolo do saber erudito e da excelência literária e intelectual, tem se distanciado gradativamente dos critérios que historicamente legitimaram sua existência. A recente eleição de figuras como os jornalistas Merval Pereira — atual presidente da casa — e Miriam Leitão, sua colega de profissão e afinada ideologicamente com ele, escancara um processo preocupante de esvaziamento dos valores culturais em nome da visibilidade midiática.
Não se trata de negar a competência técnica ou a bagagem cultural desses profissionais. Contudo, é necessário confrontar uma questão essencial: estariam Merval e Miriam à altura dos critérios literários, científicos e intelectuais que definiram a eleição de nomes como Machado de Assis, João Cabral de Melo Neto, ou Darcy Ribeiro? A resposta, por mais desconfortável que seja, parece negativa.
Vivemos tempos em que a "minutagem" na televisão e a presença nas redes sociais parecem valer mais que anos de dedicação à literatura ou à pesquisa acadêmica. A ABL, que deveria ser guardiã do capital cultural nacional, tem cedido espaço à lógica do capital simbólico televisivo e do prestígio derivado do mercado financeiro — ironicamente representado por figuras que, apesar de se declararem defensoras de causas sociais, historicamente se alinham a políticas econômicas que excluem e marginalizam.
Durante a cerimônia de posse de Miriam Leitão, Merval Pereira a descreveu como "uma mulher guerreira, comprometida com as causas sociais". No entanto, tal retórica não resiste a um exame mais atento. Ambos — Merval e Miriam — sempre se posicionaram de forma crítica, quando não abertamente contrária, a políticas públicas de inclusão como as cotas raciais nas universidades e programas de transferência de renda como o Bolsa Família. Defender "minorias" enquanto se combate os instrumentos que possibilitam sua ascensão é, no mínimo, uma contradição flagrante.
Seria ingênuo pensar que as escolhas da ABL hoje não estejam atravessadas por interesses que extrapolam o universo das letras. Em um país onde o capital midiático se converte em poder político e simbólico, não causa espanto imaginar, num futuro próximo, a entrada de subcelebridades oriundas de reality shows ou influenciadores digitais ocupando cadeiras que um dia pertenceram a escritores de fato imortais. E enquanto nomes como Conceição Evaristo, intelectual cuja obra literária e compromisso com a transformação social são incontestáveis, seguem à margem dessa elite simbólica, a ABL vai se tornando cada vez mais um clube de prestígio social — uma espécie de título nobiliárquico moderno para os ricos, famosos e bem relacionados.
A questão que se impõe, portanto, é: a Academia ainda serve à literatura brasileira, ou tornou-se mais uma vitrine de poder e vaidade?
JURANDI S. ARAÚJO

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