domingo, 25 de maio de 2025

OS PÁSSAROS (1963)

 


As gaivotas consumiram uma mistura de trigo e uísque para ficarem paradas durante as filmagens de Os Pássaros (1963). O truque, contado por Rod Taylor, é apenas uma das controvérsias que cercaram a produção. Alfred Hitchcock deixou de lado as regras do suspense clássico e mergulhou o público em um pesadelo sem causa aparente, onde a ameaça vinha do alto. Três anos após Psicose, o mestre do terror psicológico já não buscava apenas o choque: ele queria o desequilíbrio total. E esse desequilíbrio, como provariam os bastidores, começou muito antes da primeira ordem de “ação” no set.

Hitchcock comprou os direitos do conto de Daphne du Maurier ainda em 1955, mas descartou quase tudo do texto original. “Vamos manter apenas o título e a ideia dos ataques”, disse ao roteirista Evan Hunter. A protagonista, Tippi Hedren, era uma desconhecida de 33 anos, que precisou mentir a idade para parecer mais jovem. E pagaria caro por esse papel. Em uma das cenas mais brutais, dentro do sótão, ela foi atacada por aves reais durante sete dias de filmagens. Quando finalmente saiu do set, precisou de uma semana de internação. Antes disso, vomitou ao ver o próprio rosto deformado pela maquiagem dos ferimentos.
Cerca de 3.200 aves reais foram utilizadas no filme, com o auxílio de efeitos mecânicos e visuais que custaram US$ 200 mil — uma fortuna na época. Mas muitos dos ataques exigiram criatividade rudimentar. Em cenas específicas, pedaços de carne eram presos às câmeras para atrair os pássaros direto para a lente. Em outras, como na sequência de aniversário, aves tinham alfinetes presos dentro do bico e as bocas coladas com fita para que estourassem balões em sincronia com o roteiro. Quando uma dessas aves escapou com a boca ainda selada, a produção mobilizou uma busca de horas para salvá-la.
Havia também um certo “terror cômico” nos bastidores. Um corvo chamado Archie desenvolveu uma antipatia pessoal por Rod Taylor, o protagonista. “Todo dia ele me atacava”, contou o ator. “Eu perguntava se ele ia trabalhar. A equipe dizia que não. E, do alto das vigas, lá vinha ele.” Já na escola em Bodega Bay, local das cenas mais icônicas, a atriz Tippi Hedren relatava uma presença inquietante. “Parecia cheia de gente invisível.” Hitchcock, ao saber que o lugar era considerado mal-assombrado, decidiu filmar ali mesmo. Para completar a provocação, no dia da estreia em Londres, foram colocados alto-falantes nas árvores ao redor do cinema, reproduzindo gritos de aves para assustar o público que saía.
Nada foi por acaso. Até o traje verde de Melanie Daniels foi replicado em seis versões idênticas, para preservar a continuidade. O filme não termina com “The End” — uma escolha deliberada de Hitchcock para sugerir que o horror continua. E continua mesmo. Mais de 40 anos depois, o filho de Daphne du Maurier relatou ter sido atacado por gaivotas na mesma cidade que inspirou a história. A ficção se infiltrou na realidade, ou talvez tenha sido o contrário. O que importa é que, com Os Pássaros, Hitchcock não fez apenas um filme: ele invocou um medo ancestral, sem explicações ou escapatória. Um medo que, até hoje, nos faz olhar para o céu com desconfiança.

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