sexta-feira, 19 de agosto de 2016

O SORRISO DE MONA LISA


Enquanto bilhões de pessoas ao redor do mundo tinham os olhos voltados para a abertura das Olimpíadas, uma seleta plateia se apinhava no espaçoso salão nobre da reitoria da Ufba para a cerimônia de formatura do curso de História. Entre as muitas trajetórias de superação dos futuros professores, em sua maioria negros e mulheres, a história da formanda Mona Lisa Nunes de Souza poderia rivalizar com as de Robson Conceição, Isaquias Queiroz e Rafaela Silva, os novos heróis olímpicos, todos eles negros, iluminados pelos holofotes da glória olímpica nos últimos dias.


Mona Lisa não ganhou medalha, mas pelo exemplo e sabedoria, vem dando lições. Abandonada pela mãe quando nasceu, a estudante foi reduzida à extrema pobreza e à condição de moradora de rua, chegando a idade adulta como uma sobrevivente. Como mulher negra, teve um destino diferente dos milhares de jovens negros mortos por armas de fogo no estado da Bahia, exatos 3.252, um aumento de 251,9% em relação à 2002, segundo o Mapa da Violência. Mona Lisa reagiu para não ser morta, mas fez mais. Talvez por instinto, quiçá por influência de seus mestres, a ex-moradora de rua optou por concorrer a uma vaga no curso noturno de História, e teve sucesso. E a vida que tinha oferecido tão pouco a Mona Lisa ganhou um outro sentido, de identidade e consciência.
Ao pegar o “canudo” na cerimônia de formatura, Mona Lisa foi aplaudida de pé, e enquanto os olhos do mundo se voltavam para os potenciais heróis olímpicos, a história do povo negro era mais uma vez escrita, desta feita por sua mais nova heroína. Indagada por um repórter, a futura professora de História foi taxativa: “A maior arma do opressor é a mente do oprimido. Eles falam tanto que a gente não pode, que não somos capazes, que a gente acredita. Isso precisa mudar”. Mona Lisa sabe das coisas, por isso quer a mudança. Os que lhe atravancam o caminho, passarão, Mona Lisa, menina negra, ex-moradora de rua a agora professora de História, passarinho!



Carlos Zacarias de Sena Júnior
 Doutor em História. Professor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

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