Com a extinção do Instituto
Mauá em 2015,
o artesanato da Bahia
perdeu sua força
Artigo publicado
no Jornal A Tarde,
08/02/17
Criado em
1939, instituição era o esteio para pesquisa, produção e distribuição do
artesanato regional.
Neste mês, completam-se 02 anos da
extinção do Instituto de Artesanato
Visconde de Mauá, através da Lei
13.204/14, sancionada pelo governador Rui Costa. O Instituto, que era vinculado
à Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e
Esporte (SETRE-BA), transformou-se em uma Coordenação de
Fomento ao Artesanato, na mesma secretaria, e perdeu na ocasião uma força de 40
servidores, transferidos para outros órgãos do governo. Técnicos importantes
que circulavam e compreendiam a diversidade dos territórios de identidade do
Estado deixaram de atuar e a metodologia que envolvia um certo rigor para
mantença das características desta atividade foi perdida. O Instituto tinha uma
grande capilaridade, com abrangência em 200 municípios e um cadastro de 11 mil
artesãos. A vinculação à SETRE-BA era uma forma de garantir, antes de mais nada,
a valorização desta atividade como um trabalho dos mais relevantes e também da
renda, pois um fator importante que o Instituto preconizava era a venda das
peças no seus centros de distribuição, localizados à época no Porto da Barra e
no Pelourinho.
Neste ofício, é comum que
boa parte dos artesãos passem seus saberes e fazeres para seus filhos e filhas,
que são determinantes para a manutenção da tradição. Nos últimos anos,
observamos um certo desinteresse desses jovens em seguir esse legado e, por
conta disso, algumas peças icônicas do artesanato baiano estão desaparecendo. A
falta de uma perspectiva de sustento real, que só pode ser viabilizada com a
distribuição das peças, é outro fator determinante para o desinteresse da
juventude. Ademais, é muito comum em
viagens de campo verificar que muitos artesãos deixaram de produzir suas peças,
pois se tornaram neopentecostais. Para completar, é fundamental reparar um
série de políticas equivocadas promovidas por instituições que, entre outras
coisas, aceitam ou mesmo incentivam a inserção de itens industrializados.
Em outros estados do
Nordeste, notadamente em Pernambuco, há um processo inverso à experiência baiana,
pois o artesanato é visto como um fator importante na economia da cultura e
promove uma rede de colaboração e sustento para diversas áreas da cadeia
produtiva. A Feira Nacional de Negócios do Artesanato (Fenearte) é um exemplo
de experiência exitosa, pois consolidou-se como a maior feira de artesanato da América
Latina. Nos dias de evento, é comum ver o centro de convenções lotado com
efetivação de negócios.
No
artesanato, é fundamental compreender as fronteiras da fruição e da utilidade, pois,
segundo Kabengele Munanga, “o homem se dirige à natureza com a preocupação
fundamental de transformá-la, para, enfim, tirar dela os objetos úteis à sua
vida material, espiritual, política e econômica”. Para o antropólogo, esses
objetos tornam-se arte quando o homem acrescenta algo que, do ponto de vista
prático, não tem nenhuma utilidade.
Essa falta de interesse
diz muito da nossa classe política na atualidade. No passado, era comum vermos políticos,
prefeitos e governadores frequentando
museus, cinemas, teatros e espaços culturais, pois isto reforçava a grandeza do
Estado na medida em que seus artistas eram projetados como uma expressão da
nossa cultura. Hoje parece que abdicaram deste valor. Não por acaso o prefeito
de São Paulo pinta de cinza os grafites da cidade e o Presidente da República
autoriza a retirada dos quadros de Djanira e Portinari para substituí-los pelo
bufão da corte.
Essa inversão de valores,
descuido e ignorância me faz lembrar de um artigo da Silvana Rubino sobre a reação
do crítico Italiano Bruno Zevi, quando a arquiteta Lina Bo Bardi tentou levar a
Exposição Nordeste para Itália e foi proibida pelo Itamaraty. Disse Zevi: “A arte do povo apavora os generais”. O artigo
foi publicado no Expresso di Roma em 1965 e mais tarde foi reeditado na Revista
da Civilização Brasileira, importante publicação que formou a cultura política dos
intelectuais de esquerda.
Espero que a experiência dessa
ausência possa, quem sabe, criar as bases para a criação de um projeto ousado de
Lina Bo Bardi, que foi abraçado por Glauber Rocha em artigo publicado em 1960
no Jornal da Bahia, que se chamava: “Movimento.
Por uma arte que não seja desligada do homem”. Neste artigo, ele apresentava as
bases para criação da Universidade Popular, que tinha como proposta “…valorização
dos nossos costumes objetivados (das nossas práticas como as cerâmicas,
artefatos, esculturas e pintura primitiva) elevados à condição de elementos
úteis em uma sociedade em desenvolvimento. Sem dúvida, temos uma pretensão tremendamente
de vanguarda dentro de um Estado onde os valores estão, em sua maioria, presos
a um narcisismo verborrágico e decadente.”
O texto, ainda tão atual, nos serve
como um farol. Espero que das mãos desses artesãos saia a inspiração para os
governantes e que a página web da Coordenação de Fomento ao Artesanato vinculada à Secretaria
do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte possa, pelo menos, refletir a diversidade
e grandeza da nossa diversidade cultural.
Danillo Barata
danillo.barata@gmail.com
Artista Visual e Professor da UFRB
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