sábado, 11 de fevereiro de 2017

A EXTINÇÃO DO INSTITUTO MAUÁ

Com a extinção do Instituto Mauá em 2015, 
o artesanato da Bahia 
perdeu sua força
Artigo publicado 
no Jornal A Tarde,
 08/02/17

Resultado de imagem para FOTOS DOINSTITUTO MAUA SALVADORCriado em 1939, instituição era o esteio para pesquisa, produção e distribuição do artesanato regional.
  
Neste mês, completam-se 02 anos da extinção do Instituto de Artesanato Visconde de Mauá, através da Lei 13.204/14, sancionada pelo governador Rui Costa. O Instituto, que era vinculado à Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte (SETRE-BA), transformou-se em uma Coordenação de Fomento ao Artesanato, na mesma secretaria, e perdeu na ocasião uma força de 40 servidores, transferidos para outros órgãos do governo. Técnicos importantes que circulavam e compreendiam a diversidade dos territórios de identidade do Estado deixaram de atuar e a metodologia que envolvia um certo rigor para mantença das características desta atividade foi perdida. O Instituto tinha uma grande capilaridade, com abrangência em 200 municípios e um cadastro de 11 mil artesãos. A vinculação à SETRE-BA era uma forma de garantir, antes de mais nada, a valorização desta atividade como um trabalho dos mais relevantes e também da renda, pois um fator importante que o Instituto preconizava era a venda das peças no seus centros de distribuição, localizados à época no Porto da Barra e no Pelourinho.

Neste ofício, é comum que boa parte dos artesãos passem seus saberes e fazeres para seus filhos e filhas, que são determinantes para a manutenção da tradição. Nos últimos anos, observamos um certo desinteresse desses jovens em seguir esse legado e, por conta disso, algumas peças icônicas do artesanato baiano estão desaparecendo. A falta de uma perspectiva de sustento real, que só pode ser viabilizada com a distribuição das peças, é outro fator determinante para o desinteresse da juventude.  Ademais, é muito comum em viagens de campo verificar que muitos artesãos deixaram de produzir suas peças, pois se tornaram neopentecostais. Para completar, é fundamental reparar um série de políticas equivocadas promovidas por instituições que, entre outras coisas, aceitam ou mesmo incentivam a inserção de itens industrializados.

Em outros estados do Nordeste, notadamente em Pernambuco, há um processo inverso à experiência baiana, pois o artesanato é visto como um fator importante na economia da cultura e promove uma rede de colaboração e sustento para diversas áreas da cadeia produtiva. A Feira Nacional de Negócios do Artesanato (Fenearte) é um exemplo de experiência exitosa, pois consolidou-se como a maior feira de artesanato da América Latina. Nos dias de evento, é comum ver o centro de convenções lotado com efetivação de negócios.

No artesanato, é fundamental compreender as fronteiras da fruição e da utilidade, pois, segundo Kabengele Munanga, “o homem se dirige à natureza com a preocupação fundamental de transformá-la, para, enfim, tirar dela os objetos úteis à sua vida material, espiritual, política e econômica”. Para o antropólogo, esses objetos tornam-se arte quando o homem acrescenta algo que, do ponto de vista prático, não tem nenhuma utilidade.

Essa falta de interesse diz muito da nossa classe política na atualidade. No passado, era comum vermos políticos, prefeitos e governadores  frequentando museus, cinemas, teatros e espaços culturais, pois isto reforçava a grandeza do Estado na medida em que seus artistas eram projetados como uma expressão da nossa cultura. Hoje parece que abdicaram deste valor. Não por acaso o prefeito de São Paulo pinta de cinza os grafites da cidade e o Presidente da República autoriza a retirada dos quadros de Djanira e Portinari para substituí-los pelo bufão da corte.


Essa inversão de valores, descuido e ignorância me faz lembrar de um artigo da Silvana Rubino sobre a reação do crítico Italiano Bruno Zevi, quando a arquiteta Lina Bo Bardi tentou levar a Exposição Nordeste para Itália e foi proibida pelo Itamaraty. Disse Zevi: “A arte do povo apavora os generais”. O artigo foi publicado no Expresso di Roma em 1965 e mais tarde foi reeditado na Revista da Civilização Brasileira, importante publicação que formou a cultura política dos intelectuais de esquerda.

Espero que a experiência dessa ausência possa, quem sabe, criar as bases para a criação de um projeto ousado de Lina Bo Bardi, que foi abraçado por Glauber Rocha em artigo publicado em 1960 no Jornal da Bahia, que se chamava: “Movimento. Por uma arte que não seja desligada do homem”. Neste artigo, ele apresentava as bases para criação da Universidade Popular, que tinha como proposta “…valorização dos nossos costumes objetivados (das nossas práticas como as cerâmicas, artefatos, esculturas e pintura primitiva) elevados à condição de elementos úteis em uma sociedade em desenvolvimento. Sem dúvida, temos uma pretensão tremendamente de vanguarda dentro de um Estado onde os valores estão, em sua maioria, presos a um narcisismo verborrágico e decadente.”

O texto, ainda tão atual, nos serve como um farol. Espero que das mãos desses artesãos saia a inspiração para os governantes e que a página web da Coordenação de Fomento ao Artesanato vinculada à Secretaria do Trabalho, Emprego, Renda e Esporte possa, pelo menos, refletir a diversidade e grandeza da nossa diversidade cultural.

Danillo Barata
danillo.barata@gmail.com
Artista Visual e Professor da UFRB


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