A ponte
sobre o Bósforo acaba de ser inaugurada, inauguração a qual, por mero acaso,
fora convidado. O barco veloz da sultana Neslisha, mãe de minha amiga Ikbal,
nos leva de Ortakoÿ até o lado oriental do estreito. “Você gosta de iogurte? me
pergunta a princesa otomana. Sim? Que bom! Vamos até Anadolu. São os melhores
da Turquia”. Servido generosamente em tigelas de barro grosso, assim descobri o
iogurte original.
A seguir,
iríamos almoçar no yali da húngara condessa Ostrorog. O que é um yali? É uma
mansão apalaçada de madeira, geralmente pintada de tradicional vermelho
sangue-de-boi. A casa que hoje nos recebe, construída no fim do século XVIII, é
uma das mais belas dentre as 620 tombadas nos dois lados do Bósforo. Como os
outros yalis, esta encontra-se à beira do estreito e pouco acima da água. Parece
perigoso, mas entre o mar Negro e o mar de Mármara, diferença de marés inexistem.
O barco parou nos degraus de pedra da entrada principal. A sultana pediu logo para
ver a nova decoração do Salon Rose cuja
peça mais vistosa era um antigo tapete chinês rodeado de poltronas Biedermeier.
Depois de curta visita à casa, descemos até o jardim pela escada apreciando
seus elegantes corrimãos de mármore finamente lavrado. À volta de uma fonte de pedra, mesas redondas nos
esperavam. De um lado o morro, com árvores imemoriais, troncos escondidos por hortênsias.
Do outro, o Bósforo. Ao longe, uma multidão de minaretes entre os quais os dez,
agrupados, da Sultan Ahmet Camii e da
Hagia Sophia. Por um acaso providencial fui invitado a sentar ao lado do
famosíssimo violinista Yehudi Menuhin. Encontramos o mesmo entusiasmo pela
cultura popular, o que me preservaria aventurar-me nas areias movediças da
música.
Os pratos desfilam com delicias desconhecidas.
O vinho é leve como a brisa que ameniza o calor primaveril. A condessa Ostrorog
vem até nossa mesa apresentar ao genial virtuoso um adolescente segurando seu
violino. “Mestre, gostaria tanto que desse uma opinião. Mas, por favor, diga o
que pensa realmente...” O garoto executa com seriedade e sem gênio uma csardas de
Brahms. Mais tarde Menuhin me confessará que este tipo de armadilha faz parte
da maioria dos convites que ele aceita. O preço da fama.
O sol de maio começa a declinar. As conversas se fazem mais
confidenciais. Riso claro de uma convidada, tosse discreta de um fumante. De
repente, o céu obscurece, como na eminência de uma tormenta. Levantamos os
olhos. Colada ao jardim, a muralha enferrujada e colossal de um cargueiro
soviético desliza lenta e silenciosamente nas águas profundas. No alto do convés,
sombrias cabeças de marinheiros observam nossa reunião, nostálgica cena de um
tempo perdido...
Dimitri Ganzelevitch
Novembro 2017
Delícia de crônica!
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